quarta-feira, novembro 15, 2006

O silêncio dos dias felizes

Aqui o silêncio não nos mata, não nos fere, não nos magoa.
Aqui o silêncio é a palavra mais bela do mundo, o eco mais profundo da alma, o silêncio é a tua voz e a minha quando estamos calados e nos assenta tão bem esse ar de ingenuidade.
Quando tu dizes,
- não há palavras,
E eu bem sei que não as há, eu bem sei quantas outras vezes preenchemos a ar de sons vazios e sem sentido, e tu também sabes, tu também sonhas que os homens nunca hão-de ter palavras nos momentos verdadeiramente felizes.
Havemos de ficar para sempre olhando-nos, procurando o que não se encontra, sonhando como tolos no palco de alegrias que é a vida.
Por isso, hei-de continuar a olhar sem saber que dizer, e quando me disseres que não tens palavras eu hei-de dizer-te que sou feliz.
Hei-de dizer-te aquilo que não se diz todos os dias, hei-de fazer-te sorrir como sorriste quando provaste o teu primeiro caramelo. E mais tarde, contá-lo-ás aos teus filhos, aos teus netos, dir-lhe-ás que no espaço do silêncio encontraste o amor, que na casa vazia da ausência encontraste a flor mais bela do mundo: a felicidade.
Nunca te esqueças de dizer-lhes que não há palavras para os momentos de felicidade, que não há sons quando a música dos sonhos nos embala a vida.
Sabes…talvez por isso sinta tanto a tua falta… porque o ar está cheio de palavras e não consigo agarrar nenhuma delas, porque as pessoas estão repletas de sons que me ensurdecem os ouvidos e me cegam a alma. E eu, perdida em mim, preciso apenas de silêncio. Do silêncio de quando nos olhávamos como se não existisse mais ninguém no mundo, do silêncio dos momentos felizes que hoje são demasiado grandes e não cabem na porta, do silêncio da felicidade que partiu como uma pena levada pelo vento…sem rumo, sem destino.
Sinto falta de te ter junto a mim e de ouvirmos o mar na sua melodia de revolta, o riso louco das flores que brincam no jardim, quando apenas nós sentimos, quando apenas nós nos acreditamos vivos num mundo de tanta gente a desejar a morte.
Não peço palavras que me façam esquecer que estou só no mundo, não peço sorrisos que me ensinem a sorrir, só peço o silêncio dos dias felizes. E tu, que pedes?

Isa Mestre

sexta-feira, novembro 03, 2006

Cresci, mamã!


A noite cai sobre nós, eu continuo a ralhar-te, continuo a acreditar que ainda sou a luz que te pode indicar o melhor caminho a seguir, que ainda posso desviar-te dos atalhos perigosos e devolver-te à inocência dos teus oito anos de idade.
Tu bem sabes que não, bem sabes que a vida nos guia pelo caminho que os nossos próprios passos marcam, afinal tu queres apenas dizer-me que aprenderás por ti próprio, que aprenderás com as feridas que doem mas curam, com as quedas que te derrubam mas te ajudam a crescer.
Eu continuarei a ralhar-te, a fingir que te posso salvar do mundo, proteger-te junto de mim como se estivesses numa redoma de vidro e ninguém te pudesse tocar.
Como sou rídicula...
Sou mãe, e embora seja cruel dizê-lo, todas as mães são ridículas.
Porque até último dia da tua vida continuarei a acreditar que posso resguardar-te de todo o sofrimento, que posso oferecer-te aquilo que mais ninguém te dará pela vida fora. Acreditarei que precisarás sempre de mim , mesmo que por vezes pareças esquecer que existo, mesmo que por vezes eu pense em voz alta,
-São miúdos...
Sim, para mim serás sempre um miúdo, o garoto que me pedia gelados e danoninhos de banana, o puto que com os olhos brilhantes de alegria suplicava por uma história ao final da noite.
E a tua voz sempre a dizer-me,
- Cresci, mãe, cresci.
E eu a fingir que nem te ouço, como quando tinhas nove ou dez aninhos e te dirijias à fita métrica colada no roupeiro e gritavas estridentemente,
- Cresci, mãe, cresci.
E para mim, ainda é tudo igual, porque embora tenhas crescido em centímentos , os homens fazem-se pelas mãos da vida, e essas segurar-te-ão e ensinar-te-ão até morrer.
Quando estiveres triste, ainda chamarás por mim no silêncio da tua alma, na súplica do teu olhar de homem que por momentos voltará a ser o menino que corria para os meus braços em busca de consolo...quando estiveres triste, dirás,
- Mamã, mamã... (como disseste tantas outras vezes)
Não te cansarás de repeti-lo até que as minhas palavras te sosseguem o espírito, até que a tua agitação apazigue nos meus braços, como quando eras menino e te acalmava o choro.
Hoje, não mais adormecerás no meu colo, mas procurá-lo-ás como consolo para os teus falhanços, como abrigo para as tempestades da vida, como antídoto para o ódio que por vezes parece apoderar-se do coração.
Partilharei com as minhas amigas a alegria de ter-te a meu lado, tal como no dia em que me chamaste "mamã", como no dia em que te nasceu o primeiro dentinho, como no dia em que deste os primeiros passos, dir-lhes-ei,
- O meu menino...
O meu menino que cresceu, que se fez homem aos poucos, que hoje reclama independência enquanto ainda chama por mim na escuridão da noite.
Vai meu amor, vai! Não posso nem devo impedir-te. A vida é isto mesmo. Partidas e chegadas.
Eu ainda me lembro... do cheiro a colónia de bebé, do teu fatinho azul quando te trouxe do hospital, eu ainda me lembro do brilho a inundar-me os olhos e do orgulho a ocupar todos os espaços ainda vazios do teu novo quarto.
Tudo foi perfeito. O berço, o bebé, o papá, a mamã, a família toda em teu redor e eu ansiosa que todos se fossem para estarmos a sós: apenas tu e eu, no mundo colorido que fomos ao longo de nove meses.
Hoje, volvidos um par de anos, vividos tantos momentos, passadas tantas horas e tantos dias, é hora de partir, de dizer,
-Até logo mamã,
Até logo meu amor, vai com as asas dos sonhos e constrói o teu próprio ninho, sê feliz porque só quem é feliz sabe voar pelos céus da vida.
(Para ti, que estás aí desse lado e tens as mãos cheias de carinho,escuta, são para ti estas palavras. Sente-as, vive-as. Sim, eu sei que o farás.)

Isa Mestre