terça-feira, agosto 29, 2006

Transparente

Hoje, parece tão fácil esquecer o primeiro beijo e recordar o último, o que não demos, o beijo em que a minha boca chamou pela tua e os teus lábios fugiram como vagabundos na escuridão da noite.
O coração divide-se entre aquilo que vivemos, mas é tão mais difícil pensar no sol que iluminou as nossas vidas quando agora são apenas nuvens cinzentas que ameaçam transformar-se numa tempestade completa.
Tu queres encher o ar de palavras, explicar-me tudo, eu quero simplesmente o silêncio da dor, o silêncio de quem pede apenas a solidão como companheira de sempre.
Agora já não há palavras que me devolvam o sol à alma, a àgua à minha secura, não há, entendes?
As recordações bailam na minha memória, luto contra elas, luto todos dias por lembrar-me que afinal nem tudo foi negativo, que nem tudo foram lágrimas e sofrimento. Também houve coisas boas, e tu sabes que houve, tu dizes-me que sim, eu contradigo-te: Não, não...Mas afinal também eu sei que sim.
E sabes? Talvez até tenham sido mais, talvez o sol até tenha brilhado mais do que imaginamos, mas hoje as nuvens são tão negras que não nos deixam ver nada.Nem os pássaros da nossa paixão que ainda esvoaçam no jardim, nem o arco-irís do sentimento que se tinge de mil cores sem nunca o podermos vislumbrar.
Mas um dia, quando toda esta neblina de dor for para longe, eu sei que vou poder sonhar, ao abrigo do que sinto, com o amor que transporto no peito vou poder sonhar novamente como uma garota e lembrar-me-ei dos bons momentos, do primeiro beijo, da primeira saída, do primeiro olhar. Lembrar-me-ei que aquilo que vivemos não se resumiu a um adeus ténue e sentido numa rua qualquer.
E saberei que a tua cara triste de ontem foi um dia a alegria espelhada no teu rosto, foi um dia o sorriso que me despontou das faces e me fez acreditar que o mundo seria perfeito.
Recordar-me-ei de tudo, com a clareza de uma manhã iluminada, com a beleza de uma aurora a despertar.
Sei que enxaguarei as lágrimas e então poderei ver o mundo tal como ele é, sem ressentimento no peito, sem dor para me matar a dignidade, sem tristeza para guardar a minha alegria num saco profundo da alma.
Um dia, será mais fácil recordar o primeiro beijo, um dia em que o céu não esteja tão cinzento e o teu mundo não ameace ruir sobre o meu. Um dia destes quem sabe...afinal o amor é como a lua, tem as suas fases.

Isa Mestre

Saber que vens


Onde estás? Onde estás quando eu ligo e não atendes, quando escrevo e não respondes? Onde? Onde, que já estou cansada da voz da senhora das telecomunicações a dizer que de momento não podes atender. Sim, eu sei. Pudesse ela dizer-me por onde anda esse sorriso...
E eu sempre à espera que amanhã seja diferente, que a tua voz eufórica do outro lado da linha se cruze com o meu sorriso tímido do lado de cá.
Sabes...Tenho saudades.
Embora por vezes seja tão difícil dizê-lo, é a verdade.
Tenho saudades, ouviste?
Tenho saudades de ser uma menina e tu me chamares para junto de ti, tenho saudades de ser uma mulher e te sentares a meu lado.
Preciso do teu,
- Vem cá ver-me! Passa por cá hoje!,
preciso.
Ao menos para saber como estás, se ainda tens a mania de perder folhas importantes, de chegar atrasada às reuniões, de combinar mil e um eventos com mil e uma pessoas para o mesmo dia e para a mesma hora.
Preciso de saber que nada mudou, que a tua casa estará sempre pronta a acolher-me e os teus braços abertos para aconchegar-me, preciso e saber que ainda lá estarás nos dias importantes e nos dias de merda.
Quero saber se ainda queres escrever comigo ou se já esqueceste que as minhas folhas esperam ansiosamente as tuas palavras.
Vem, que eu quero dizer-te quem me magoou, o que aconteceu, eu quero gritar que estou farta e sentir a tua mão nos meus cabelos, eu quero ouvir-te,
- Força, Força! ,
quero dizer-te as tolices de sempre e convidar-te para um café.
Quero mostrar-te as fotografias e dizer-te quem é cada um deles, enquanto finges que me ouves.
Eu quero ver-te sair apressada a dizer-me um adeus fugidio, porque te esqueceste que tinhas de ir buscar a tua filha à escola, eu quero que me digas,
- Até logo,
porque,afinal, eu só quero saber que ainda vens.

Isa Mestre

domingo, agosto 20, 2006

Chegar a ti


Sentado na pedra onde tantas vezes olhámos o mar, sinto as ondas beijando-me a sola dos pés, o cheiro da maresia invadindo-me as narinas.
Quero crescer por dentro, como crescem os verdadeiros homens, como voltam a crescer as árvores às quais lhes foram retiradas as raízes.
Eu, apenas quero crescer depois de ti, depois que o teu olhar se desprendeu do meu e pousou noutros lugares deste nosso horizonte, depois que as tuas mãos abandonaram os meus dedos serenos e fugidios, depois que o teu sorriso maroto se perdeu por detrás da infinita rocha da nossa vida.
Mas, sinto-me cansado de tanto correr, correr para longe quando a eminência do teu aparecimento está sempre tão perto, correr atrás de novos mundos quando o meu mundo continuará a ser sempre teu, correr na tentativa de encontrar uma nova estrada quando o alcatrão do nosso sentimento ainda me prende os pés e me impede de prosseguir. Mas eu continuo a correr, a correr atrás de um caminho que se revela impossível de encontrar, porque eu corro na escuridão de olhos vendados pela fúria, eu corro sem saber para onde, quando todos me dizem que afinal basta correr...desaparecer por momentos e fingir que tudo não passou de um sonho mau...basta correr e no dia seguinte acordar cansado mas sem ti, cansado mas sem o sentimento que me percorre as veias e repousa no meu triste coração.
Eu queria correr para longe, mas, diz-me, para quê correr se estarás sempre aqui? Se o coração não é objecto que se substitua ou se ensine a amar? Correr para quê, se as minhas pernas só procuram as tuas no frio do Inverno que se estende perante o meu olhar?
Já não quero mais este mundo que escolhi para mim, na verdade, talvez nunca o tenha querido verdadeiramente.
Tu bem dizias que as pessoas mudavam, eu dizia que não, fingia que seria sempre o mesmo garoto apaixonado que fazia loucuras por ti, o que corria atrás da tua sombra como se corre atrás dos autocarros...louco, extasiado, eufórico.
Mas eu mudei, hoje que vejo o pôr-do-sol percebo que nada na vida será igual, que apenas a natureza tem a incrível capacidade de se repetir todos os dias. Eu não, eu mudei, tu mudaste, afinal todos mudamos, precisamos da mudança tal como os dependentes precisam da sua droga.
Porque é que o que não devia acontecer acontece sempre? Porque os caminhos que buscamos nos fogem por entre os dedos? Porquê, meu amor, porquê?
Eu quero aprender a sorrir depois das lágrimas. Deixa-me apenas ser um raio de luz que entra pela tua janela a dentro, uma onda que te beija os pés e te faz cócegas, deixa-me apenas correr pelas estradas da vida para chegar sempre ao mesmo lugar: a ti, só a ti.

Isa Mestre

sexta-feira, agosto 18, 2006

na minha alma.

- Obrigada,
e tenho vontade de abraçar-te outra vez, ainda lanço os braços, mas tu bem sabes como nos sentimos ridículos nestes gestos. Por fim, as minhas mãos perdem-se nas tuas e apertas-me com força,
- Acredito em ti,
eu sei, eu sempre soube, quando corri até ao final para chegar em primeiro, quando sorri na eminência do choro, quando sonhei...eu sempre soube que estarias lá para gritar pelo meu nome, para sorrir comigo, para sonharmos, ainda que o palco dos sonhos parecesse tão distante do nosso olhar. E quando te disse,
-Desculpa,
soube que acreditavas em mim, que com os olhos repletos lágrimas e o ressentimento a respirar em ti, soube que acreditavas nas minhas palavras.
E eu disse,
- Nunca te esquecerei,
e tu sabias, tu sabias que nunca te esqueceria, sabias que quer o dissesse agora ou um minuto antes de morrer seria igual, eu nunca te esqueceria.
E tu sorrias, com esse sorriso de quem ama, de quem dá tudo aquilo que tem dentro do peito, sorrias orgulhosa de mim, e eu de ti, tanto, tanto...
- Não me arrependo,
disseste tu.
Obrigada. Por não te arrependeres, por acreditares naquilo que sou mesmo quando aos olhos dos outros sou um trapo velho e agastado do tempo, um trapo que já limpou bem a loiça, mas hoje desilude dia após dia.
Obrigada por esse olhar sempre tão terno, sempre tão teu...pelas vezes em que estava triste e me fizeste sorrir, por me ajudares a encontrar o caminho certo quando a minha tolice enveredaria por outros lugares.
É claro que me recordaria de ti. Pergunta tola. Como poderia esquecer-te?
As pessoas são como as estrelas, umas mais cintilantes que outras, umas que nos captam a atenção e se fixam no coração, outras que simplesmente nos passam despercebidas.
Obrigada por teres brilhado um dia para mim, por teres iluminado um cantinho do meu mundo com o teu sorriso, por me teres ouvido e dedicado sábias palavras, palavras que não esqueço, que vivem em mim e hão-de ser aquilo que sou.
Eu ainda me lembro das conversas ao fundo do teu quintal , ainda me lembro de te ver a meu lado com o cigarro por entre os dedos, o cigarro proibido que tanto amavas, o cigarro com o qual eu ralhava mas acabava sempre por sorrir.
Ainda me lembro de anoitecer enquanto falávamos, de teres de fazer o jantar, de brincar com os teus filhos...mas permanecias em silêncio.
- Não há problema,
dir-me-ias.
Para ti não havia horas más nem horas boas, o teu tempo era o meu tempo sempre que eu precissasse dele.
Tu a dizer-me que tenho de crescer, e eu a sorrir.
- É verdade, é verdade,
dir-te-ia.
Deixa lá, crescerei com o tempo, tal como cresceste.
Ouvirei a tua voz do outro lado do telefone chamando pelo meu nome...(como gosto de ouvir-te chamar pelo meu nome).
E sei que do outro lado sorrirás, sorrirás por mim e eu sorrirei por ti.
Cresceste, pensarás, mas faltar-te-á coragem para dizê-lo, tal como me faltou coragem para abraçar-te.
Deixa lá, eu sei que cresci, que crescerei até morrer a pensar nessas tardes em que o sol se punha enquanto te falava de coisas banais.
Crescerei ao pensar que quando chorei tu estavas lá para me dar a mão, que não me mandaste parar como todos os outros, mas acolheste as minhas lágrimas e ensinaste-me a crescer com elas.
Crescerei ao pensar que me disseste que eu era isto e aquilo, ao pensar que mesmo magoada pelas tempestades da vida encontrei sempre nas tuas plaavras um porto de abrigo para as minhas tormentas .
E pensar que enquanto os outros me olhavam pela porta entreaberta, tu me beijaste as faces fustigadas pela dor e me abafaste a cabeça contra o teu leito...
E perguntaste,
- Como estás?
Obrigada por perguntares, obrigada por perguntares sempre e te preocupares se estava sorridente, triste ou magoada.
Obrigada por nunca desistires de encontrar o meu sorriso, estivesse ele onde estivesse.
Obrigada por teres sido connosco à casa das cópias e por termos chamado palhaço ao patrão, obrigada por teres voltado nos momentos mais difíceis.
As palavras são tão inúteis quando sabemos de que falamos....ou melhor, do que sentimos.
Todavia, deixo-te com elas, onde quer que estejas... ou a fazer o jantar para os teus filhos, ou a preparar o trabalho para amanhã, ou a vasculhar nas recordações antigas, ou...quem sabe, no fundo do teu quintal a fumar um cigarro.
Deixo-te com aquilo que somos e o que sentimos.
Obrigada por me teres possibilitado tantas recordações, tantas e tão boas.

( Para ti, que estás aí e me lês. Sabes que são para ti estas palavras. Eu sei que sim.)

Isa Mestre

terça-feira, agosto 15, 2006

És


Gostava de conhecer-te melhor. Entrar pelos teus sonhos a dentro e saber o que te habita, saber de que cor se tinge esse sorriso inatingível com que me recebes, eu queria saber de que és feito, de onde vieste e para onde vais.
Porque por vezes não pareces como eu, como todos nós, existe em ti essa magia de garoto, como se ainda precisasse de te mudar as fraldas todos os dias e dar-te o biberão a horas certas, ainda existem na tua alma essas mil e uma perguntas, os porquês todos encerrados dentro de ti, esse mundo que eu não conheço, que eu nunca hei-de atingir, porque tu sempre me hás-de mostrar o que sempre conheci, dizendo-me que te desenrascarás sozinho.
Mas eu apenas queria olhar mais para dentro de ti, conhecer aquele que dorme a meu lado todas as noites, que de manhã acorda com os olhos inchados do sono e corre para a casa de banho, aquele que eu ouço cantarolar no chuveiro, quando parece estar tudo bem...parece.
Mas eu não sei, eu nunca saberei, porque o teu corpo há-de ser eternamente meu mas a alma, essa será tua, tua e de quem te habita, e eu serei uma estranha que com os olhos cerrados tenta percorrer o labirinto daquilo que és, uma estranha que tropeça, que se magoa, que volta a erguer-se na expectactiva de encontrar em ti uma luz, algo que lhe peça vida, algo que acenda dentro de si essa chama que se apaga lentamente, até morrer, até ser simplesmente o cheiro a queimado, o incenso na sala...a essência de ti espalhada algures por aí a escapar-me entre os dedos das mãos.
Deitas-te a meu lado, entre nós o menino, o nosso filho, fruto do amor e da alegria que partilhámos, ele sorri, afinal é tão bom estar no quentinho da cama dos pais quando o gelo do inverno mata lá fora...Ele sorri ao pai que nem conhece, que eu também não conheço, ao homem que lhe dá a mão e o leva a passear, ao que o leva à escola e lhe deposita um beijo, ao que o adormece e lhe conta histórias.
Mas ele não te conhece...porque os nossos olhos apenas conseguem ver o que és por fora, a embalagem que aprendeste a criar para te defenderes de tudo aquilo que magoa, de tudo aquilo que tenta espreitar para além do horizonte que a nossa visão alcança.
Eu quero mais que um corpo, quero uma alma que conheça e possa amar como nunca amei.
Eu quero e tu dizes que não...Tu sempre a rejeitar subtilmente os meus pedidos...Será que não entendes que sou uma menina que quer conhecer-te? Que as minhas mãos querem percorrer-te , agarrar-te os sentimentos, sorrir-te e ver-te sorrir, não apenas com os lábios, mas também com a alma.
Eu quero saber o que há nessa praia de água límpida e areia pura, o que há dentro do homem que embora pareça o ser mais feliz do mundo esconde dentro de si uma enorme tristeza.
Eu já não quero o “papá” exemplar, nem o marido que chega sempre a casa a horas, eu já não quero o estudante aplicado que um dia se tornou médico. Eu já não quero aquilo que os outros quiseram que fosses. Agora, quero-te apenas a ti. Mostra-me a alma, ainda que seja por breves instantes, deixa-me ver aquilo que te habita!

Isa Mestre

sexta-feira, agosto 11, 2006

Nas tuas mãos, o mundo


Nas tuas mãos está o mundo, mãe.
Porque foste tu que mo ofereceste desde a minha primeira lufada de ar fresco no jardim da vida. Transportaste-me com carinho por entre os teus dedos sábios do tempo e trouxeste a vida para dentro de mim. Trouxeste tantas coisas mãe, tantas...que hoje olho-me ao espelho e vejo o que és em mim. Orgulho-me disso. De ser parte de ti, de sorrir como tu, orgulho-me que os teus braços estejam sempre prontos a acolher-me quando a minha meninice ainda chama por ti.
Obrigada seria pouco para quem luta todos os dias por mim, para quem me defende com o seu escudo protector de tudo aquilo que possa ferir-me. Eu sei que obrigada não chega, por isso ofereço-te o que de melhor pode haver no coração dos humanos: os sentimentos. Os meus sentimentos são palavras. Palavras aqui, palavras ali, palavras que me saem do peito e das mãos, palavras que tu me ensinaste a escrever quando guiaste os meus dedos pacientemente pelo papel.
Ofereço-te o meu mundo nestas linhas. Merece-lo.
Sei que as minhas letras não vão com o vento, mãe, elas ficarão sempre no teu peito, e quando eu encostar a minha cabeça para ouvir o teu coração senti-las-ei tocando-me, acariciando-me o rosto imaturo.
Obrigada por me mostrares tantas vezes o caminho certo. Continua a fazê-lo, porque sem ti eu serei uma criança perdida no supermercado, uma árvore sozinha na imensa floresta, uma luzinha na escuridão da noite.
Pela tua mão cresci, hoje, posso parecer do teu tamanho, mas, é tudo ilusão. Tu és grande mãe, muito grande. Na alegria de viver, na coragem, na força, na certeza com que nos criaste sobre os teus braços frágeis e fugidios.
Oxalá pudesse ser do teu tamanho...quem sabe, um dia? Agora, ainda tenho de crescer, por mim, por ti, por nós, pelo mundo.
Levarei sempre no peito as armas que me deste, os sentimentos que me ensinaste para fazer face a este mundo louco. Não vou ferir, afinal, o verdadeiro amor não magoa.
Tu sabes e eu sei.
Seguirei o nosso caminho, pela estradinha que os teus dedos me indicarem far-me-ei mulher aos poucos e tu olhar-me-ás e pensarás na menina que ontem chorava nos teus braços pedindo alimento.
Porque nas tuas mãos estará sempre o mundo, o meu mundo mãe.

Isa Mestre

quinta-feira, agosto 10, 2006

Procuro-te


Nas tardes quentes de Lisboa, tu sorrias como estrela cintilante no céu, sorrias e dizias parcas palavras. Era sempre assim. Tu, sorridente, calada, perdida na imensidão da nossa cidade, eu, a contar-te histórias que tu já sabias de cor, mas, fingias ouvir-me, sempre com a mesma alegria, com o mesmo olhar penetrante e fiel.
Naquele dia trouxeste todos os outros dias para dentro de mim: as tardes quentes na esplanada quando pedias um pastel de nata e um café, as manhãs geladas de inverno quando me esperavas ao final da rua, as noites tristes de Outono em que as árvores se despiam perante o nosso olhar frio da vida. Trouxeste todos os momentos, afinal vinhas com as mãos cheias de recordações, sim...recordações. Porque hoje não são mais que isso, talvez nunca tenham sido.
Disseste: Vou partir. Eu fiquei calado, pensei: Partir? Mas porquê partir?. E tu voltaste a dizer: Vou partir... Sim, eu sei, eu já tinha ouvido a tua voz segura no interior da minha alma frágil, eu já tinha visto as tuas asas a querer voar do ninho de mim, eu já sabia que um dia dirias: Vou.
Sorri-te apenas, afinal, quando o coração chora, o rosto sorri. È sempre assim, será sempre assim.
Sorri-te e no dia seguinte levei-te ao aeroporto.
Fica, dizia eu, tu fingias não me ouvir, olhavas atentamente os ecrãs repletos de partidas e chegadas, repletos de ti e de mim, porque em cada destino daqueles estava um sonho nosso, um sonho que abandonaste, como se abandonam os barcos no cais.
Tu a partir para o check-in, e eu, a chorar por dentro, com vontade de dizer-te que estava a sofrer, que não estava contente como imaginaras, vontade de dizer-te que me sentia um palhaço no meio do circo das nossas vidas.
Pela última vez, já com as lágrimas a rasarem-me os olhos, disse-te baixinho: Fica.
E tu, tal como um pardal que quer saltar do ninho, respondeste-me: Não posso.
Depois, perdi o rumo, não me lembro de mais nada, só as tuas mãozinhas leves e delicadas no ar dizendo-me adeus, só o teu perfume inundando as minhas narinas pela última vez, só o teu olhar e as máquinas do aeroporto a apitar, só as tuas mãos a percorrem novamente os bolsos à procura de metais, só tu...sempre tu.
Anda...disseste-me. Devolvi-te a afirmação : Não posso.
Ainda há mundo à minha espera, e tu sabes que há, ainda há a mesa do escritório a pedir-me para pousar os meus braços cansados de procurar-te, ainda há as folhas de papel insistindo para que te escreva, ainda há vida em mim quando pensei morrer naquele adeus vagabundo.
Hoje, minto. Perguntam-me por ti e minto. Não estavas bem , precisavas de mudar de vida, merecias mais....Mentiras apenas, tudo mentiras! Foste sim! Foste porque quiseste, porque um dia acordaste e pensaste voar mais além, pisar outros mundos, sentir o cheiro de outras cidades, beber bebidas caras nos bares de qualquer outra parte do mundo.
E disso nem eu nem tu tivémos culpa.
Eu não pude e tu não pudeste. Simplesmente isso.

Isa Mestre

terça-feira, agosto 01, 2006

Fugi


Sim, tens razão, fugi.
Fingi perder o tempo, as malas carregadas de recordações apenas nossas, fingi perder o oásis de ti para te encontrar noutros mundos, noutros caminhos.
Não quero explicar-te onde erraste, onde me acorrentaste com algemas de cobre ao ouro eterno do teu coração...Não! Não quero!
Porque de tanto ferir aqui dentro, esta ferida hoje já não dói, talvez me tenha habituado a viver com ela, com os teus sentimentos secos no meu coração repleto de magia.
Sento-me à mesa e já não espero por ti, não tens nada para me dar e eu sempre soube disso, sempre soube e tentei não saber, sempre procurei e nunca encontrei.
Estás vazio.
O meu mar de sonho não pode perder-se em ti, entende-me.
Procura-me, porque tu nunca soubeste o que era perder-me. Procura-me agora, vai atrás de mim e diz que me amas, que queres os meus lábios só para ti, pega na mala das nossas recordações e trá-la de novo para dentro de casa. Vens? Procuras-me na noite agora que me perdeste no teu imenso dia?
Traz a tua guitarra e canta-me canções, como nos velhos tempos, quando acreditei que eras menino de ouro no meu mundo encantado, quando julguei puras as tuas palavras e transparentes os meus sentimentos.
Fizemos tanto fogo com a nossa paixão...aquecemos tantos corações com o sentimento que nos percorria a alma...mas hoje, hoje somos nada. Nada. Ouviste?
Tu sabes e eu sei.
Perdido, algures no mundo procuras por mim na noite fria, não me amas, mas queres-me a teu lado. Desejas apenas saber que sou tua, e de mais ninguém, saber que outro não me beija e sinto aquilo que sentia quando me beijavas, queres ter a certeza disso, então chamas-me. Mas não te ouço. Estás longe e a tua voz não chega para alimentar os meus sentidos. Grita, grita por mim.
Eu, do outro lado do mundo, espero cansada junto ao rio onde nos conhecemos, onde construimos tantos mundos sem sair do mesmo lugar, onde descalçamos os sapatos e molhámos os pezinhos no mar do amor. Trago comigo a maleta das recordações, penso em ti, penso em nós, penso no nada em que nos tornámos.
Vou lançá-la ao mar, com ela morrerá o que fomos.Talvez não morras em mim, mas o nosso amor acabará por perder-se no fundo deste rio, morrerá onde nasceu.
Beijo-a, como se te beijasse, lanço o braço para trás e antes de largar o nosso amor, sinto uma mão tocando-me.
Ès tu, sei que és tu, conheço-te o cheiro a tabaco e perfume, conheço-te o toque.
Olho-te. Já não és nada, existes dentro de mim e amo-te, mas não és nada, não podes ser nada no tudo que já foste.
Vieste tarde para dizer que me amavas, vieste quando em mim já não há forças para superar a solidão de tantas noites a chamar pelo teu nome, quando o meu próprio nome já está gasto, quando eu já não sei o que é o amor. Dizes “amo-te” e eu permaneço calada, como se as tuas palavras se enterrassem no fundo do túmulo do nosso sentimento.
Desculpa. Ficarás sozinho no cais da vida, vou-me embora, vou como tantas outras vezes o fizeste, vou, porque tal como dizias o amor é como o vento, passageiro e feroz.
Pega a nossa mala, leva-a tu desta vez, talvez te faça bem carregares as recordações do amor contigo, tornar-te-á mais homem, far-te-á crescer aos poucos.
Não me procures, agora, serás incapaz de encontrar aquilo que fui. Não procures...Eu estou aqui, diante da tua imagem triste, estou aqui e vou embora. Amo-te, digo antes de partir, os meus passos são sentimentos perdidos pela estrada da vida. Se vieres talvez possas apanhá-los e reconstruir o meu coração...Talvez.

Isa Mestre