sábado, outubro 28, 2006

Folha de Outono

Ainda que não quisesse, ter-te-ia trazido comigo nessa tarde de Outono. Porque foi no teu rosto que se encontraram os meus passos perdidos, foi no teu olhar que o meu amor renasceu, como uma flor que desabrocha depois da escuridão, depois da morte.
Nunca esquecerei os teus olhos que me pediam carinho, eram mundos espelhados no azul profundo do teu olhar, mundos diferentes dos que conhecera. Porque ao olhar os outros homens, senti-os vazios, ocos de sentimento, porém contigo foi diferente, porque os teus olhos pediam carinho e os deles sempre pediram desejo.
Porque não precisavas de roupas de marca e perfumes caros, porque conquistavas com o que tinhas dentro do peito, não precisavas de te sentir cheio de futilidade para finalmente seres alguém no mundo.
Só tu sorrias como nunca vi sorrir ninguém, o sorriso terno, os dentinhos brancos e brilhantes nessa boquinha de sinceridade, nessa ternura tão tua que desde o primeiro momento sonhei minha.
Por fim, o anel no dedo, o anel a dizer-me que não estás ali, que não és o homem que desejei naquele momento, que não és aquele que conheci e deixei escapar por entre os dedos vadios da vida. O anel a dizer-me para eu te esquecer, a dizer-me que já tens o coração ocupado e não tenho o direito de aparecer, de aparecer para te dizer aquilo que nunca te disse, para te mostrar o que sempre te escondi, para ser, finalmente, quem nunca fui, para te dizer somente: Amo-te.
Porém, talvez o nevoeiro me tenha cegado a vista e impedido de ver que o tempo passa, que o tempo apaga e esquece, que o tempo se encarrega de devolver vida a quem por momentos julgou perdê-la.
Deixa lá, eu esqueço, eu vou e nem te digo que estou aqui, eu sou cobarde e egoísta, eu sou!
Mas, esse anel no dedo paralisa-me os passos, cala-me as palavras, mata-me o amor com que sonhei durante anos. Afinal, eu só queria saber, eu só esconderia as lágrimas por detrás das cortinas do meu rosto e perguntar-te-ia aquilo que nunca tive coragem de perguntar-te,
- És feliz?
Não perguntaria se casaste, se tiveste filhos, se me esqueceste...não!
- És feliz? - apenas esta pergunta a ecoar dentro de mim, a escrever aquilo que sinto, a perguntar-te num sussuro aquilo que alma sempre quis saber, aquilo que alimenta o coração e te deixa tão nu perante o meu olhar.
Mas, não tenho esse direito. Quem sou eu? Quem sou eu dentro de ti? Ainda te lembras?
Aproximo-me timidamente enquanto lês o jornal, sento-me a teu lado e permaneço no silêncio da tarde de Outono passada no parque... Eu, apenas perdida no meu mundo de ilusões...passados tantos anos apenas sozinha, sozinha e vazia porque os sonhos já não me habitam, porque os pássaros já não cantam.
Tu, entregue ao mundo, quieto e calado quando apenas sinto os olhinhos a movimentar-se de uma linha para a outra.
Sento-me a teu lado e volto a ser a menina que te procurava ansiosamente na sala de aula.
Não sei que te diga, não sei que te chame, agora, só sei que te amo. Agora, o tempo cortou-me as asas, roubou-me as palavras, gastou-me os nomes...porque eu só sei que te amo.

Isa Mestre

domingo, outubro 08, 2006

A neblina da despedida



Poderia simplesmente partir, mas não quero.
Sento-me no leito das ondas e penso em ti.
Recordo-me das conversas à beira-mar, dos encontros no corredor da escola, dos sorrisos entre uma e outra alegria, das lágrimas nos intervalos frios da tristeza.
Eu poderia simplesmente partir...mas não posso, não posso e não quero.
Antes tenho de encontrar-te, abraçar-te com tudo aquilo que existe em mim, dizer-te as palavras maduras que em tempos me pareceram verdes e ridículas.
Tu mereces, tu mereces.
Não preciso de procurar-te porque sempre soube onde encontrar-te, sempre soube em que porta bater, sempre soube que sorriso me receberia...eu sempre soube e hoje ainda sei.
Por isso espero...toco nervosamente na campainha e espero...Oxalá nunca o tivesse feito, tomara tivesse sido bem mais fácil dizer-te adeus, como se dentro de mim não faltasse alguma coisa que fica aqui entre mim e ti , algo que não posso levar na mala.
O olhar foge-me para o teu carro, o pensamento diz-me que estás ali, que dentro de pouco tempo me abrirás a porta e eu permanecerei quieta sem saber que dizer-te, sem saber como te diga que vou, que vou e não sei quando volto, que vou e só vim para me despedir, que vou e só vim porque és importante, porque te adoro, porque viverás no meu coração até ao último dia da minha vida.
Tu não abres.Ouço o eco da campainha... e cá fora, o frio das despedidas, o cinzento do teu carro a mostrar-me de que cor se tinge o meu dia, as gotas de humidade no pára-brisas a mostrar-me quantas lágrimas chorarei por ti.
Já ouço os teus passos a aproximar-se da porta, já sinto o teu cheiro a misturar-se com a humidade que cai sobre mim, já pressinto as tuas mãos tocando suavemente na fechadura que te separa do mundo cá fora.
Chamas-me...
- Miúda...
Que saudades, que saudades sentirei de ouvir-te chamar-me assim, de ver-te sorrir, de me segurares as mãos quentes e me transportares um pouco de alento para dentro da alma...
Tu chamaste-me como todas as vezes, como nos dias de alegria, como nas tardes de tristeza, como nas gargalhadas, como nas chatices...
Agora, que me chamaste uma vez mais...como dizer-te que vou?
Tenho a voz entorpecida pela crueldade da vida, o coração gelado pelas tempestades que arrasam o meu cais, as mãos frias pelo gelo que se apoderou dos nossos mundos...estou triste e digo-te,
- Vou.
Como quando me perguntavas se queria ir beber um cafézinho,
- Vou.
Como quando afirmavas que teria força para fazer frente à vida,
- Vou.
Como quando sorrias e perguntavas se ia contigo,
- Vou.
Mas, tu bem sabes...o verbo é o mesmo, mas este ir é tão mais difícil que o outro...
Ainda que queira esconder o sentimento, está-me espelhada na cara a dor que sinto por partir, por vir aqui hoje e dizer-te secamente,
- Adeus.
Adeus, porque eu não tenho mais palavras, porque o que sinto não me sai dos lábios, vive no coração.
Pedes-me para entrar, mas eu fico, eu fico porque daqui a nada vou embora e nunca mais me vês, porque afinal só vim dizer-te que te adoro sem precisar de usar uma única palavra, eu só vim mostrar-te que falamos a mesma língua: a do sentimento.
Por isso, depois das palavras ditas, depois da amálgama de sentimentos que nos trespassa o peito, abraço-te apenas, como se naquele abraço não houvesse malas de angústia e sacos de dor...Como se eu fosse apenas, como se naquele abraço me transportasses para o aeroporto e eu te visse acenar-me lá do fundo.
- Nunca te esquecerei, sabes?
È claro que sabes!
Um beijo na cara, um até sempre, um “gosto muito de ti”, um adeus que nunca serei capaz de pronunciar, um sentimento que me salta do peito e se semeia no teu coração.

Isa Mestre