sábado, fevereiro 17, 2007

Loucura

Podes tirar o penso da ferida. Eu já sei que existe dor, que há sangue que jamais poderei estancar, já sei que os teus braços e as tuas mãos correm desesperadamente atrás de um mundo que te foge, que me foge, que nos foge.
Não te quero curar as feridas. Não tenho palavras que nos unam, sentimentos que nos façam um do outro, como o mar pertence à terra, como a luz pertence ao dia. Não tenho uma história que te torne meu, porque estendo as mãos e não te sinto a pele, mas sim o vazio das manhãs frias em que te procurei na neblina da madrugada.
Eles dizem que não existes, que és fruto desta árvore que vive em mim, deste mundo de fantasia que tinge as paredes do meu quarto de mil cores e de mil sons.
Eles a dizer,
- É mentira.
E tu dentro de mim, a tua voz em sussurros repetidos,
- Estou aqui.
E eu a saber que estás, a querer olhar mais para dentro de ti, até te ver por completo, até sentir que o teu peito bate com a precisão dos ponteiros do relógio da minha alma.
Ás vezes apetece-me tocar-te, trazer-te pela mão para dentro do meu mundo, ensinar-te cada rosto, cada expressão, cada palavra, cada pessoa que me habita.
E quando eles me levam para os consultórios e me chamam louca, apetece-me dizer-lhes que olhem para ti, porque existes em cada um deles com a mesma alegria e plenitude com quem vives no meu corpo.
Recordo os relatórios pousados sobre a mesa dos homens robustos e de pele queimada pelo tempo, sempre as mesmas letras esquecidas no papel, as letras perdidas entre ti e mim,
- Alienação mental com modificação profunda da personalidade,
Que verdade é esta? A que mentira nos propõem?
Não me chega dizer que sei quem sou, eles querem mais, eles continuam a procurar o teu rasto, como felinos com olfacto apurado e olhos bem abertos na escuridão da noite, eles perguntam,
- Quem vive dentro de ti? ,
E eu respondo com o silêncio. Não me vendo por respostas fáceis, não me deixo comprar pelas ilusões que a vida já me proporcionou. Não sou criança. Antes o fosse…mas não sou .
Calem-se todas as vozes. Porque se minto, o silêncio responderá em meu nome, e se digo verdade, apenas uma voz se unirá à minha para cantarmos a mesma canção.
Escutem! Ouço passos ao longe. Será que és tu, ou o médico que me julga louca?
Apenas um dos dois. Tal como no mundo. Apenas uma escolha. Apenas um destino. Apenas uma vida para uma morte.

Isa Mestre