sábado, março 03, 2007

Errante

Não posso calar a tua voz, não posso.
Tu a dizeres que tenho culpa, que nunca deveria ter sido como fui, que nunca deveria ter feito todas as coisas que fiz, que nunca poderia ter existido na tua vida.
Desculpa. Pudesse eu voltar atrás, mudar o rumo dos sonhos, enveredar por uma outra estrada estreita senão aquela em que nos conhecemos: a estrada da vida. Garanto-te que tudo seria diferente. No meu lugar haverias de ter uma rapariga de sonhos firmes e flores presas no cabelo, uma menina que acreditasse que o amor é terno e te fizesse acreditar nisso mesmo.
E agora, que queres fazer? Se eu naquele dia enveredei pela estrada onde também caminhavas com passos firmes e olhar perdido, se eu naquele dia me apaixonei por esse sorriso de menino vagabundo e aventureiro…
Que queres fazer? Matar a verdade, matar os dias como julgaste matar os sentimentos que tens dentro do peito?
Insistes. Não posso calar a tua voz, não posso.
Porque as minhas mãos são frágeis e o meu coração ainda quer se o bilhetinho colado no armário dos teus amores, porque os meus dedos ainda acolhem o pedaço de ouro que me deste em troca de amor e fidelidade.
Não posso matar a culpa, afastar as palavras que um dia te feriram e magoaram. Fui eu. O juiz a perguntar quem é inocente e quem é culpado e a minha voz lá no fundo do teu espírito,
- Fui eu,
Acuso-me. Fui eu. Repito. Fui eu.
Que se passa? Porque te levam a ti? Porque te algemam a vontade de viver e te condenam à grilheta?
Tu gritas. E eu não posso calar a tua voz.
Como te disse, conhecemo-nos na estrada errada. Oxalá esse teu sorriso maroto se tivesse cruzado com os meus olhos ávidos de carinho numa estrada mais longa, onde a vida nos permitisse ser mais do que somos, onde a vida te deixasse ser meu por mais alguns instantes.
Desculpa se te magoei, mas não quero fingir. Não posso.
Acorrentem-me os braços, amordacem-me para não chamar mais pelo teu nome, limpem-me as lágrimas do rosto e coloquem-me a tua imagem junto ao peito. Depois…a vida saberá o que fazer comigo.

Isa Mestre