A mulher senta-se. Não sorri. Sabe, afinal que os sorrisos atrapalham sempre um bocadinho. Apercebe-se que ninguém à sua volta sorriu. Sente-se feliz por não ter sorrido. Por momentos tem a sensação de que se sorrisse seria vista como algo ridículo. E se há coisa que tem medo é de ser vista como tal.
Sento-me também. Não na mesma mesa, mas no mesmo palco. Também eu com medo de ser visto como algo ridículo. Venho sozinho. Pergunto-me se haverá no mundo alguma fórmula capaz de anular o factor pergunta. Anular de uma vez por todas a velha que se senta diante de mim a conjecturar se sou paneleiro ou se me morreu a mulher.
Visto-me de preto. Um ponto a favor do luto. Se calhar até tem pena de mim.
Nem uma coisa nem outra. Sou alérgico à mentira. Sou alérgico, portanto, a casamentos.
Os outros menos alérgicos que eu, mais enérgicos na farsa, mais poderosos na personagem que vestem para se esquecerem de quem são. Não que eu não me esqueça também por vezes. Mas não sou tão bom actor.
A minha mãe pergunta-me,
- és feliz?
E eu penso que a felicidade é apenas a mulher que se senta sem sorrir com medo que o seu sorriso possa parecer ridículo.
É isso a felicidade. A ilusão de sermos perfeitos aos olhos dos outros.
Respondo-lhe que sim. Ainda que nunca consiga pôr os lençóis direitos quando faço a cama, ainda que me sente sozinho, ainda que me sinta pressionado pelos olhos de qualquer uma mulher a encontrar um destino. Mesmo que eu não queira tê-lo, mesmo que ele não me faça falta nenhuma.
sábado, setembro 17, 2011
sábado, setembro 03, 2011
persona
Ela tinha um sorriso. Não como o teu. O dela mais ficcionado, menos certo, não erraria se dissesse menos encantador. Porque com ela eu não tinha de ter medo de dizer,
-gosto de ti,
Como tenho contigo, quando fico preso ao ridículo de não saber sequer ser eu.
No papel os verbos pareceram-me fáceis, suaves, ternos, aqui menos maduros, incoerentes, apressados.
Perdemo-nos por momentos em conversas banais. Dizes qualquer coisa sobre a vida. Depois ficas em silêncio, como se todas as memórias fossem de repente um carrossel que a razão quer mas não consegue parar.
Com ela seria fácil. Bastaria mudá-la de cenário, disfarçá-la por meio de uma dúzia de frases bonitas que nos fazem esquecer quase tudo. Contigo não. A vida diferente dos livros. Sem analepses nem prolepses. Sempre no mesmo lugar, mesmo que te doa, mesmo que não saibas para onde fugir, mesmo que te sobrem sentimentos e te faltem palavras. Na vida uma coisa de cada vez.
Como naquele dia em que não soubeste como lidar com o vazio.
Uma coisa de cada vez.
O vazio é hoje o mesmo. Deixámos de nos questionar sobre isso. Julgamos conhecer-nos melhor, e quanto mais nos conhecemos menos partilhamos.
Por isso te escrevo. Para partilhar.
Ela tinha um sorriso. Não como o teu, mas feito a partir do teu. E a verdade é que quando te vejo, vejo-a também a ela, porque são a mesma, porque estão exactamente no mesmo lugar. És no fundo a realidade da minha ficção e todos os dias agradeço a Deus por isso.
-gosto de ti,
Como tenho contigo, quando fico preso ao ridículo de não saber sequer ser eu.
No papel os verbos pareceram-me fáceis, suaves, ternos, aqui menos maduros, incoerentes, apressados.
Perdemo-nos por momentos em conversas banais. Dizes qualquer coisa sobre a vida. Depois ficas em silêncio, como se todas as memórias fossem de repente um carrossel que a razão quer mas não consegue parar.
Com ela seria fácil. Bastaria mudá-la de cenário, disfarçá-la por meio de uma dúzia de frases bonitas que nos fazem esquecer quase tudo. Contigo não. A vida diferente dos livros. Sem analepses nem prolepses. Sempre no mesmo lugar, mesmo que te doa, mesmo que não saibas para onde fugir, mesmo que te sobrem sentimentos e te faltem palavras. Na vida uma coisa de cada vez.
Como naquele dia em que não soubeste como lidar com o vazio.
Uma coisa de cada vez.
O vazio é hoje o mesmo. Deixámos de nos questionar sobre isso. Julgamos conhecer-nos melhor, e quanto mais nos conhecemos menos partilhamos.
Por isso te escrevo. Para partilhar.
Ela tinha um sorriso. Não como o teu, mas feito a partir do teu. E a verdade é que quando te vejo, vejo-a também a ela, porque são a mesma, porque estão exactamente no mesmo lugar. És no fundo a realidade da minha ficção e todos os dias agradeço a Deus por isso.
sábado, julho 23, 2011
Eco
Eu queria ler-te Lobo Antunes antes de dizer-te qualquer outra coisa. Queria entrar e ler. Alheio a tudo e a todos. Mesmo que me chamassem louco, mesmo que me pusessem porta fora. Eu queria que se fizesse silêncio e que as pessoas que te olhavam com ar de pena por momentos se suspendessem no pensamento ridículo de ver-me por ali.
Eu queria que as pessoas me olhassem perplexas enquanto sem usar quaisquer palavras diriam,
- o joão,
E o nome soar-te-ia estranho, como se fingisses nunca ter-me conhecido. Mas eu não me importaria. Nunca me fez confusão a ausência com que nos entregamos ao mundo.
Tu ficarias séria. E essa seriedade far-me-ia acreditar que nada mudou. Não que eu tenha vindo por mais alguma razão. Como te disse, queria apenas ler-te Lobo Antunes. Sim, quem sabe devolver-te um pouco à realidade, desanestesiar-te desse aglomerado de gente que te rodeia com o pensamento cego que, mais dia, menos dia, vais morrer.
Ignorando que morremos todos um bocadinho.
Não te faria perguntas. De que nos servem as perguntas senão para nos inquietar o pensamento?
Depois de ler, ficaria em silêncio. E mesmo que não tivesses ouvido nada respiraríamos os dois a doçura cruel de cada palavra. Cada parágrafo derramado sobre a tua pele, um tratamento urgente para o amor (ou quem sabe para a falta dele).
Confesso que talvez sentisse a tua mão carinhosamente pousada sobre o meu cabelo. A saudade do tempo em que tudo era perfeito – se é que os amantes não baniram já a perfeição do dicionário do amor.
Não tenhas medo. Se eu viesse não falaria sobre o passado. Ignoraríamos que existe futuro. Fechados na esfera da nossa solidão olharíamos apenas o presente, como se o hoje fosse um retrato adulterado do que foi o ontem, ou do que virá a ser o amanhã.
Não te preocupes. Não precisarias de fingir. Seríamos afinal os mesmos.
Trago a folha na mão. Os dedos tremem-me. O texto não. Continua firme, ávido para que os meus olhos se fixem nele, sem me distrair, sem me arrepender, sem dar um passo atrás. Pergunto-te,
Posso entrar?
E a minha voz faz eco na sala.
Isa Mestre
Eu queria que as pessoas me olhassem perplexas enquanto sem usar quaisquer palavras diriam,
- o joão,
E o nome soar-te-ia estranho, como se fingisses nunca ter-me conhecido. Mas eu não me importaria. Nunca me fez confusão a ausência com que nos entregamos ao mundo.
Tu ficarias séria. E essa seriedade far-me-ia acreditar que nada mudou. Não que eu tenha vindo por mais alguma razão. Como te disse, queria apenas ler-te Lobo Antunes. Sim, quem sabe devolver-te um pouco à realidade, desanestesiar-te desse aglomerado de gente que te rodeia com o pensamento cego que, mais dia, menos dia, vais morrer.
Ignorando que morremos todos um bocadinho.
Não te faria perguntas. De que nos servem as perguntas senão para nos inquietar o pensamento?
Depois de ler, ficaria em silêncio. E mesmo que não tivesses ouvido nada respiraríamos os dois a doçura cruel de cada palavra. Cada parágrafo derramado sobre a tua pele, um tratamento urgente para o amor (ou quem sabe para a falta dele).
Confesso que talvez sentisse a tua mão carinhosamente pousada sobre o meu cabelo. A saudade do tempo em que tudo era perfeito – se é que os amantes não baniram já a perfeição do dicionário do amor.
Não tenhas medo. Se eu viesse não falaria sobre o passado. Ignoraríamos que existe futuro. Fechados na esfera da nossa solidão olharíamos apenas o presente, como se o hoje fosse um retrato adulterado do que foi o ontem, ou do que virá a ser o amanhã.
Não te preocupes. Não precisarias de fingir. Seríamos afinal os mesmos.
Trago a folha na mão. Os dedos tremem-me. O texto não. Continua firme, ávido para que os meus olhos se fixem nele, sem me distrair, sem me arrepender, sem dar um passo atrás. Pergunto-te,
Posso entrar?
E a minha voz faz eco na sala.
Isa Mestre
terça-feira, julho 05, 2011
Apresentação de "Amar em Círculo", de Isa Mestre
A apresentação do meu romance, Amar em Círculo, será dia 8 de Julho (próxima sexta-feira) na Biblioteca Municipal de Faro, pelas 18h00. A apresentação estará a cargo do Elos Clube de Faro e o livro será apresentado por Dina Ferreira. Recordo-vos que para além da edição em papel o livro vem acompanhado de um audiobook lido por Afonso Dias. Conto com todos vocês em mais um dia importante como este!
segunda-feira, janeiro 24, 2011
[cinco e vinte]
Normalmente não desisto das pessoas. Acredito em segundas chances. Sei que não se pode fazer tudo bem à primeira. Sei que nem tudo se deixa fazer bem à primeira.
Confesso que ainda cheguei a acreditar em ti, que não quis desistir logo. Depois veio o medo e com ele a raiva. O facto de não puderes olhar para ti fez com que tivesse medo que também eu, um dia, não conseguisse olhar para mim.
Tu ainda não sabes mas tens medo. E continuas com medo de ter medo mesmo quando já o tens.
Olhas-me. Procuras sempre as palavras que doem mais.
Não te contentas em ficar por ali naquela demonstração oca de insensibilidade.
Eu vim. Os outros ficaram. Já não acreditam em ti. Há muito que disseram adeus às segundas chances. Mas eu vim. E é precisamente por isso que me odeias. Porque não me deixo comer pelo medo, porque as palavras que te assustam não me fazem frente.
Para dizer a verdade gostava de puder gostar de ti. Gostar de ti com a mesma sinceridade com que gosto daqueles que não viram as costas à luta, dos que não são cobardes.
Dizes-me qualquer coisa sobre a pressão e eu penso como será dizer-te que quando me falas é como se te visses.
Nua. No meu olhar, na minha crítica, na mais simples observação.
Eu sei que tens frio. Porque as minhas palavras te despem e a ausência de outras te tornam cada vez mais só.
Não tenho pena de ti.
Repito. Não tenho pena de ti. Tenho vergonha de já não puder ou já não conseguir acreditar naquilo que és.
Confesso que ainda cheguei a acreditar em ti, que não quis desistir logo. Depois veio o medo e com ele a raiva. O facto de não puderes olhar para ti fez com que tivesse medo que também eu, um dia, não conseguisse olhar para mim.
Tu ainda não sabes mas tens medo. E continuas com medo de ter medo mesmo quando já o tens.
Olhas-me. Procuras sempre as palavras que doem mais.
Não te contentas em ficar por ali naquela demonstração oca de insensibilidade.
Eu vim. Os outros ficaram. Já não acreditam em ti. Há muito que disseram adeus às segundas chances. Mas eu vim. E é precisamente por isso que me odeias. Porque não me deixo comer pelo medo, porque as palavras que te assustam não me fazem frente.
Para dizer a verdade gostava de puder gostar de ti. Gostar de ti com a mesma sinceridade com que gosto daqueles que não viram as costas à luta, dos que não são cobardes.
Dizes-me qualquer coisa sobre a pressão e eu penso como será dizer-te que quando me falas é como se te visses.
Nua. No meu olhar, na minha crítica, na mais simples observação.
Eu sei que tens frio. Porque as minhas palavras te despem e a ausência de outras te tornam cada vez mais só.
Não tenho pena de ti.
Repito. Não tenho pena de ti. Tenho vergonha de já não puder ou já não conseguir acreditar naquilo que és.
quinta-feira, junho 10, 2010
Saber que voltas
Nada me entretém. Quis distrair-me de ti e acabei por distrair-me de mim.
Telefonaste e não atendi. Partira. Para qualquer um outro lugar. Não perguntaste se voltava. Não interessa.
E eu estava mesmo ali. Mas apesar de tudo partira. O meu lado B, a minha cassete estragada, aquilo a que odiosamente chamavas o meu outro eu.
Ser capaz de partir é maior e mais forte do que ter vontade de voltar. Mas tu não entendes. Ainda não podes entender.
Quero-te bem. E por isso não te ralho. Seria incapaz de ralhar-te.
Não sei ainda se posso duvidar da certeza, se posso adormecer sóbrio e confiante nos lençóis da tua ausência. Não sei.
Ligo a televisão. Quero distrair-me com qualquer porcaria que me atirem para os olhos. Por momentos peço ao ecrã que me cegue, que me cegue para não mais poder ver o vazio, que me cegue para não mais saber dessa cama vazia, dessa poltrona desocupada, desse candeeiro desligado. Cega-me. Cega-me de uma vez para que a luz da tua ausência não volte a ferir-me os olhos.
E se puderes telefona. Quero perguntar-te se voltas.
Isa Mestre
Telefonaste e não atendi. Partira. Para qualquer um outro lugar. Não perguntaste se voltava. Não interessa.
E eu estava mesmo ali. Mas apesar de tudo partira. O meu lado B, a minha cassete estragada, aquilo a que odiosamente chamavas o meu outro eu.
Ser capaz de partir é maior e mais forte do que ter vontade de voltar. Mas tu não entendes. Ainda não podes entender.
Quero-te bem. E por isso não te ralho. Seria incapaz de ralhar-te.
Não sei ainda se posso duvidar da certeza, se posso adormecer sóbrio e confiante nos lençóis da tua ausência. Não sei.
Ligo a televisão. Quero distrair-me com qualquer porcaria que me atirem para os olhos. Por momentos peço ao ecrã que me cegue, que me cegue para não mais poder ver o vazio, que me cegue para não mais saber dessa cama vazia, dessa poltrona desocupada, desse candeeiro desligado. Cega-me. Cega-me de uma vez para que a luz da tua ausência não volte a ferir-me os olhos.
E se puderes telefona. Quero perguntar-te se voltas.
Isa Mestre
Angústia
Tudo me lembra de ti. É nesse momento que tenho a absoluta certeza que querer esquecer é a maior garantia de recordar. Recordar para sempre. E eu que queria adormecer por uns tempos, de repente, aqui, perdida, inerte, novamente imbuída em pensamentos. Tão inútil como todos nós.
E as minhas mãos, meu amor, são apenas as minhas mãos. Não servem para salvar vidas nem para acolher esperanças. As minhas mãos, meu amor, às vezes são apenas dois becos rumo ao medo, de encontro à solidão.
Mas tu nunca me perguntas se tenho medo.
E eu tenho. Tenho tantas vezes.
Olhas-me apenas. Queres dizer-me que posso chorar, que não devo envergonhar-me. Mas não dizes. Não dizes nada.
Sentas-te e colocas as mãos sobre a face. Choras.
Pergunto-te se podemos chorar os dois.
Acenas afirmativamente e em segundos lá estamos os dois abraçados no nada.
Isa Mestre
E as minhas mãos, meu amor, são apenas as minhas mãos. Não servem para salvar vidas nem para acolher esperanças. As minhas mãos, meu amor, às vezes são apenas dois becos rumo ao medo, de encontro à solidão.
Mas tu nunca me perguntas se tenho medo.
E eu tenho. Tenho tantas vezes.
Olhas-me apenas. Queres dizer-me que posso chorar, que não devo envergonhar-me. Mas não dizes. Não dizes nada.
Sentas-te e colocas as mãos sobre a face. Choras.
Pergunto-te se podemos chorar os dois.
Acenas afirmativamente e em segundos lá estamos os dois abraçados no nada.
Isa Mestre
terça-feira, junho 08, 2010
ouve-me
[ao único que pode realmente ouvir-me]
Sei que estás aí. Não me deixes fugir. Quero acreditar que te posso ainda segurar a mão. Quero acreditar que o medo que agora sinto dentro do peito seja extinto por qualquer um abraço apertado no calor da noite, por um beijo quente enquanto durmo, por uma palavra sussurrada ao ouvido. Sei que estás aí. Não me deixes acreditar que estou sozinha.
Estou assustada. Cuida de mim. Fá-lo para que possa cuidar daqueles que mais amo.
Falo-te. Mas a tua voz quase sempre inaudível traz o medo de que a distância seja demasiado grande, de que a vida seja apenas um cruzamento de sentimentos e eu não saiba realmente estar em nenhum lugar.
Sei que estás aí. Mas perdoa-me, é maior o medo. É maior o amor, que afinal é a única coisa que nos faz ter medo.
Ouve-me. Não me deixes fugir. Não me deixes acreditar-me sozinha. Quero estar contigo.
Ou melhor, preciso que estejas comigo.
Perdoa-me o egoísmo das minhas palavras, mas preciso de ti.
Preciso que olhes por ele, que olhes por nós.
Sei que estás aí. Não me deixes fugir. Quero acreditar que te posso ainda segurar a mão. Quero acreditar que o medo que agora sinto dentro do peito seja extinto por qualquer um abraço apertado no calor da noite, por um beijo quente enquanto durmo, por uma palavra sussurrada ao ouvido. Sei que estás aí. Não me deixes acreditar que estou sozinha.
Estou assustada. Cuida de mim. Fá-lo para que possa cuidar daqueles que mais amo.
Falo-te. Mas a tua voz quase sempre inaudível traz o medo de que a distância seja demasiado grande, de que a vida seja apenas um cruzamento de sentimentos e eu não saiba realmente estar em nenhum lugar.
Sei que estás aí. Mas perdoa-me, é maior o medo. É maior o amor, que afinal é a única coisa que nos faz ter medo.
Ouve-me. Não me deixes fugir. Não me deixes acreditar-me sozinha. Quero estar contigo.
Ou melhor, preciso que estejas comigo.
Perdoa-me o egoísmo das minhas palavras, mas preciso de ti.
Preciso que olhes por ele, que olhes por nós.
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