Telefonaste.
Quase me apeteceu atender e dizer-te que não estava, dizer-te que, afinal, ao contrário daquilo que sempre imaginaste podemos adiar o coração, podemos adiar as palavras difíceis para dias mais fáceis e as horas tristes para minutos um pouco mais felizes.
O som do telefone a ecoar pela casa, enquanto as minhas mãos apenas de encontro às almofadas (pudesse eu camuflar a minha vontade de viver, como camuflo a cabeça, para não mais ouvir-te chamar por mim).
Mais tarde deixarias mensagem.
Talvez tivesses chorado, havia na tua voz a ternura dos miúdos depois das birras de supermercado, a lágrima seca no canto do olho que já não posso ver, os sons trémulos a formar palavras que a minha alma talvez nunca mais consiga entender.
Desisti de te ouvir, e quando desistimos é como se fossemos apenas uma bicicleta a pedalar numa estrada molhada, uma bicicleta escorregadia que acaba sempre por atirar-nos contra o solo.
Caio uma vez mais. Há uma voz que insiste para com os meus dedos, uma voz que me diz que não os mova, que permaneça apenas quieta e calada ouvindo-te, ouvindo-me, ouvindo-nos.
Hoje, talvez cada palavra tua, seja apenas uma letra da história que tantas vezes escrevemos juntos.
Esperas uma voz.
Do outro lado: silêncio. Do outro lado uma mulher que se olha ao espelho e não se reconhece: eu. Do outro lado, uma voz, incapaz de falar-te da ausência. Do outro lado, uns olhos perdidos na imensidão do Universo.
Oiço-te chamar o meu nome, como se toda a tua voz grave e séria ainda ecoasse nas paredes desta casa onde construo o tempo em barquinhos de papel.
Calo-me.
(será que mesmo assim me ouves respirar?)
Não podes suspeitar que ainda existo, não podes saber que o meu coração ainda chama por ti nas noites frias em que a alma procura abrigo nos braços do amor.
Afinal, éramos nós que jurávamos nunca vir a saber o que é amar, nunca vir a sentir esse sentimento que diziam – queimava o coração.
Talvez fosse verdade. Queima por dentro. Como um incêndio no interior de cada um de nós, como uma chama, que por mais água que se lhe deite, se revela impossível de extinguir.
Como um cigarro apagado, que morre lentamente nos confins de um cinzeiro.
Assim é o nosso amor. Mesmo quando telefonas e finjo não saber quem és.
Isa Mestre
quarta-feira, janeiro 21, 2009
Confissão
Gosto de ti três vezes por semana. Quando estás em silêncio, quando visitas o teu filho e quando me dizes boa noite.
Casámos há três anos, e em trezentos e sessenta e cinco dias de medo a multiplicar por três dígitos de solidão, ainda não descobri com que código encontrar o caminho do teu coração.
Deambulas pela casa, falas muito e nunca sabes que dizer, trazes nas mãos a doçura de uns lábios doces que ainda não aprendi ao certo como beijar.
Saio cedo e chego tarde. Encontro-te muitas vezes a dormir, como se o sono, por instantes, fosse o remédio para a dor e para o medo, o antídoto para as horas de solidão em que o meu corpo se encontra demasiado distante do teu.
Escrevi para dizer-te uma frase, uma frase apenas:
Ontem fui à igreja.
Disseste que me faria bem, disseste que me ajudaria a esquecer.
Não me recordo de todas as tuas palavras, como disse, falas de mais e eu, por vezes, escuto pouco.
Recordo-me apenas da tua expressão, das maçãs do teu rosto, do carinho do teu olhar.
Pediste-me que fosse.
- Precisas perdoar-te,
Disseste.
Como poderei perdoar-me se nunca saberei perdoar? Como poderei olhar-te, se nunca deixei que me olhasses? Como poderei esquecer-me se é o esquecimento que me mata por dentro?
Sentei-me. Ele olhou-me sem saber que eu nunca poderia olhá-lo. Disse-me:
- Que te traz por cá?
E eu, como no psicólogo, a fingir, sempre a fingir.
Ele sorri. Não tem medo da verdade. Encontra-a vezes demais.
Num instante, diz-me:
- Há quanto tempo o fizeste?
-3 meses , respondo eu.
Entendo agora que o melhor é começar pelo fim, ajuda-nos a ganhar coragem.
- Arrependes-te? - pronuncia na sua voz rouca e austera.
- Não. Por isso nunca saberei como perdoar-me - respondo-lhe.
Ele escuta o silêncio, entende que se trata de amor, apenas o amor pode falar assim, sem sentido, sem razão, e no entanto, tão profundamente carregado de mágoa.
Diz-me minutos depois uma frase que dificilmente esquecerei,
- O amor perdoa. O amor perdoa sempre.
Isa Mestre
Casámos há três anos, e em trezentos e sessenta e cinco dias de medo a multiplicar por três dígitos de solidão, ainda não descobri com que código encontrar o caminho do teu coração.
Deambulas pela casa, falas muito e nunca sabes que dizer, trazes nas mãos a doçura de uns lábios doces que ainda não aprendi ao certo como beijar.
Saio cedo e chego tarde. Encontro-te muitas vezes a dormir, como se o sono, por instantes, fosse o remédio para a dor e para o medo, o antídoto para as horas de solidão em que o meu corpo se encontra demasiado distante do teu.
Escrevi para dizer-te uma frase, uma frase apenas:
Ontem fui à igreja.
Disseste que me faria bem, disseste que me ajudaria a esquecer.
Não me recordo de todas as tuas palavras, como disse, falas de mais e eu, por vezes, escuto pouco.
Recordo-me apenas da tua expressão, das maçãs do teu rosto, do carinho do teu olhar.
Pediste-me que fosse.
- Precisas perdoar-te,
Disseste.
Como poderei perdoar-me se nunca saberei perdoar? Como poderei olhar-te, se nunca deixei que me olhasses? Como poderei esquecer-me se é o esquecimento que me mata por dentro?
Sentei-me. Ele olhou-me sem saber que eu nunca poderia olhá-lo. Disse-me:
- Que te traz por cá?
E eu, como no psicólogo, a fingir, sempre a fingir.
Ele sorri. Não tem medo da verdade. Encontra-a vezes demais.
Num instante, diz-me:
- Há quanto tempo o fizeste?
-3 meses , respondo eu.
Entendo agora que o melhor é começar pelo fim, ajuda-nos a ganhar coragem.
- Arrependes-te? - pronuncia na sua voz rouca e austera.
- Não. Por isso nunca saberei como perdoar-me - respondo-lhe.
Ele escuta o silêncio, entende que se trata de amor, apenas o amor pode falar assim, sem sentido, sem razão, e no entanto, tão profundamente carregado de mágoa.
Diz-me minutos depois uma frase que dificilmente esquecerei,
- O amor perdoa. O amor perdoa sempre.
Isa Mestre
sábado, dezembro 13, 2008
Decreto
A verdade é que não sei como amar-te.
Passaram vinte e dois anos e continuo sem saber. Recordo com saudade os dias em que o meu corpo bailou sobre o teu numa dança que nos fez acreditar tantas vezes que a valsa do amor é a balada perfeita para uma canção desesperada.
No dia em que nos conhecemos não chovia, mas confesso que nem tu pudeste trazer algum sol à minha vida. Eras daquelas adolescentes rebeldes e respingonas que nunca calam os seus ideais para ouvir os dos outros.
Talvez por isso ainda não saiba como amar-te. Talvez por nunca teres calado o teu coração para poder ouvir o meu. Mas isso é outra história, algo de que te falarei mais tarde, quando a voz me fraquejar e os braços chamarem por ti.
Hoje, estou aqui para falar-te de amor, mais concretamente de um amor, um amor vadio e desconhecido que atravessou todas as fronteiras e terminou sem passaporte para a felicidade.
Agarrei o teu caso numa manhã fria de Dezembro em que os meus olhos se fixaram nos teus para não mais conseguir olhar ninguém no mundo.
Decreto nº1 – Amar-te acima de todas as coisas – dizia a lei que trazias no olhar, a determinação da tua voz, a firmeza dos passos rebeldes a fazer-se à estrada agreste da vida.
Não sei se o consegui cumprir até hoje. Apercebo-me que amar alguém acima de todas as coisas é uma tarefa quase impossível. Implicaria amar-te mais que a mim mesmo. Será que alguém pode amar mais do que a si mesmo?
Não sei. Talvez nunca possa saber.
Decreto nº2 – Conhecer-te durante dois anos e viver um ano mais para me arrepender.
Tu sabes e eu sei, o amor é uma história bonita, mas nem sempre a vírgula pode substituir o ponto final, nem sempre a estrada é longa e o caminho se revela risonho. Por isso quiseste dar-me um ano. Não para me arrepender. Seria impossível, mas para aprender a amar-te 365 dias melhor que os anteriores.
Decreto nº 3- Olhar-te até seres completa.
Preencher-me e preencher-te, arrumar-te no meu coração e arranjar um espacinho para mim dentro do teu.
Para que serve o amor?
Para nos vermos. Para nos vermos sempre.
Isa Mestre
Passaram vinte e dois anos e continuo sem saber. Recordo com saudade os dias em que o meu corpo bailou sobre o teu numa dança que nos fez acreditar tantas vezes que a valsa do amor é a balada perfeita para uma canção desesperada.
No dia em que nos conhecemos não chovia, mas confesso que nem tu pudeste trazer algum sol à minha vida. Eras daquelas adolescentes rebeldes e respingonas que nunca calam os seus ideais para ouvir os dos outros.
Talvez por isso ainda não saiba como amar-te. Talvez por nunca teres calado o teu coração para poder ouvir o meu. Mas isso é outra história, algo de que te falarei mais tarde, quando a voz me fraquejar e os braços chamarem por ti.
Hoje, estou aqui para falar-te de amor, mais concretamente de um amor, um amor vadio e desconhecido que atravessou todas as fronteiras e terminou sem passaporte para a felicidade.
Agarrei o teu caso numa manhã fria de Dezembro em que os meus olhos se fixaram nos teus para não mais conseguir olhar ninguém no mundo.
Decreto nº1 – Amar-te acima de todas as coisas – dizia a lei que trazias no olhar, a determinação da tua voz, a firmeza dos passos rebeldes a fazer-se à estrada agreste da vida.
Não sei se o consegui cumprir até hoje. Apercebo-me que amar alguém acima de todas as coisas é uma tarefa quase impossível. Implicaria amar-te mais que a mim mesmo. Será que alguém pode amar mais do que a si mesmo?
Não sei. Talvez nunca possa saber.
Decreto nº2 – Conhecer-te durante dois anos e viver um ano mais para me arrepender.
Tu sabes e eu sei, o amor é uma história bonita, mas nem sempre a vírgula pode substituir o ponto final, nem sempre a estrada é longa e o caminho se revela risonho. Por isso quiseste dar-me um ano. Não para me arrepender. Seria impossível, mas para aprender a amar-te 365 dias melhor que os anteriores.
Decreto nº 3- Olhar-te até seres completa.
Preencher-me e preencher-te, arrumar-te no meu coração e arranjar um espacinho para mim dentro do teu.
Para que serve o amor?
Para nos vermos. Para nos vermos sempre.
Isa Mestre
quarta-feira, agosto 27, 2008
O Fim
Há muito que se esgotaram as palavras. Magoaste. Magoei. Magoámos. Conjugámos os verbos que ferem em todos os tempos e hoje, neste presente que quer sempre ser futuro, somos olhares perdidos, corações abandonados, gestos arrependidos e tristes, mãos frias e rugosas, olhos lacrimejantes e saudosos.
Não me apetece falar. Porque a verdade dói, porque o arrependimento mata mais que a dor, porque ao olhar-te é como se me visse ao espelho e não há nada pior que o reflexo de quem amamos, quando temos a absoluta certeza de só nos amarmos a nós próprios.
Sei que não devia dizê-lo, sei que parece rude, sei que pode ser cruel, mas não te amo, não consigo amar mais ninguém a não ser aquilo que sou.
Gosto demasiado de mim, para poder gostar um pouco de ti.
Sou incapaz de olhar-te. Os teus olhos assustam-me, a tua voz faz-me tremer, o teu sorriso estremece-me a alma. És demasiado de mim e isso mata-me, isso faz-me pensar que te dei aquilo que sou, que deixei de ser um pouco desta pele que visto todos os dias para te emprestar um sorriso, para te oferecer uma lágrima envolta no embrulho cruel do egoísmo.
Sou uma mentira. Quando sorrio sou uma mentira, sou um aglomerado de palavras nas quais não podes acreditar, sou uma ilusão triste, sou um sonho perdido. Dir-te-ia que me esquecesses, se eu própria acreditasse que algum dia posso esquecer-me.
Não tenho já nada para te dar. Podes ir, levaste tudo e deixaste-me nua numa cama de solidão, num lençol de ternura a disfarçar-se de raiva, numa amálgama de palavras duras a sorrir-me timidamente como que dizendo-me que são estas as maiores palavras de amor que alguma vez escutei.
Não tenho medo. Sei que amanhã estarás longe, sei que há distâncias que são maiores do que aquela que vai do meu coração ao teu.
Prefiro não pensar mais. Talvez não te ame assim tão pouco.
Isa Mestre
Não me apetece falar. Porque a verdade dói, porque o arrependimento mata mais que a dor, porque ao olhar-te é como se me visse ao espelho e não há nada pior que o reflexo de quem amamos, quando temos a absoluta certeza de só nos amarmos a nós próprios.
Sei que não devia dizê-lo, sei que parece rude, sei que pode ser cruel, mas não te amo, não consigo amar mais ninguém a não ser aquilo que sou.
Gosto demasiado de mim, para poder gostar um pouco de ti.
Sou incapaz de olhar-te. Os teus olhos assustam-me, a tua voz faz-me tremer, o teu sorriso estremece-me a alma. És demasiado de mim e isso mata-me, isso faz-me pensar que te dei aquilo que sou, que deixei de ser um pouco desta pele que visto todos os dias para te emprestar um sorriso, para te oferecer uma lágrima envolta no embrulho cruel do egoísmo.
Sou uma mentira. Quando sorrio sou uma mentira, sou um aglomerado de palavras nas quais não podes acreditar, sou uma ilusão triste, sou um sonho perdido. Dir-te-ia que me esquecesses, se eu própria acreditasse que algum dia posso esquecer-me.
Não tenho já nada para te dar. Podes ir, levaste tudo e deixaste-me nua numa cama de solidão, num lençol de ternura a disfarçar-se de raiva, numa amálgama de palavras duras a sorrir-me timidamente como que dizendo-me que são estas as maiores palavras de amor que alguma vez escutei.
Não tenho medo. Sei que amanhã estarás longe, sei que há distâncias que são maiores do que aquela que vai do meu coração ao teu.
Prefiro não pensar mais. Talvez não te ame assim tão pouco.
Isa Mestre
sábado, maio 03, 2008
Porque vieste
Obrigado por seres tu, nesse gesto tão simples, nesse sorriso tão teu, nos olhos que quando vagueiam perdidos pelo espaço se encontram no abraço de cada coração.
Saber que estás aí é um instante e um sorriso, um beijo deixado nas asas do tempo com destinatário prévio, com aviso de chegada, quando a ternura dos meus olhos ameaça saltar para o mundo cá fora.
Sorris-me nervosamente. Nunca sabemos como dizer,
- Gosto de ti,
Sobretudo, nunca sabemos como dizê-lo sem necessitar de usar palavras.
Estás aqui. Permanece calado. Já disseste tudo. Estás aqui, lembras-te? Os outros foram embora, encontraram pretextos para preencher o vazio que se interpôs entre nós, encontraram razões para dizer-me quando chegar o fim. Mas tu ficaste. Não porque não tenhas medo de ver-me morrer, não porque não sejas tão cobarde quanto eles, não porque não te apeteça chorar, quando acorrentas as lágrimas nos olhos como se pudesses impedir-me de sentir a tristeza a esvaziar-te todos os poros da alma. Ficaste porque gostas de mim, porque gostas do momento em que te sorrio e fingimos esquecer que tudo o resto existe, esquecer que não podemos apagar a vida, como apagámos em tempos as palavras nos cadernos esborratados pela caneta do destino.
Às vezes apetecia-me esquecer-me de tudo, incluindo de ti. Matar-me. Matar-te. Matar-vos a todos para que não sofrêssemos tanto quando chegar o fim.
Não finjas, tu também sabes que ele chegará. Chega para todos. Chega um dia. Chega, e a verdade é que tu nunca poderás saber quando nem porquê.
Senta-te. Quem sabe se amanhã virás? Quem sabe se o camião amanhã não se desvia enquanto o teu pé no acelerador pensa em mim, enquanto as tuas lágrimas nos olhos te impedem de ver a dimensão da estrada?
Senta-te.
Hoje podes ficar.
Não te farei perguntas. Acho que te agradeço sem usar palavras, se também não as fizeres.
Senta-te apenas. Deixa o meu coração e o teu dialogarem nessas vozes surdas que são o meu olhar e o teu quando as palavras se tornam ridículas, que são a tua mão sobre a minha quando estendo os dedos e acredito que já todos desistiram de agarrá-los, que são as minhas lágrimas quando o teu gesto breve me limpa a amargura do rosto.
Dura pouco a hora da visita.
- È um instante,
Dizes tu.
Tens razão,
- Um instante,
Como eu e tu. Aqui. Agora. Um instante.
Quantos instantes daria para ter-te para sempre junto de mim?
Sorris. Sorrio-te também.
Se morrer amanhã, ao menos soubeste hoje que os teus olhos me fazem sorrir.
Isa Mestre
Saber que estás aí é um instante e um sorriso, um beijo deixado nas asas do tempo com destinatário prévio, com aviso de chegada, quando a ternura dos meus olhos ameaça saltar para o mundo cá fora.
Sorris-me nervosamente. Nunca sabemos como dizer,
- Gosto de ti,
Sobretudo, nunca sabemos como dizê-lo sem necessitar de usar palavras.
Estás aqui. Permanece calado. Já disseste tudo. Estás aqui, lembras-te? Os outros foram embora, encontraram pretextos para preencher o vazio que se interpôs entre nós, encontraram razões para dizer-me quando chegar o fim. Mas tu ficaste. Não porque não tenhas medo de ver-me morrer, não porque não sejas tão cobarde quanto eles, não porque não te apeteça chorar, quando acorrentas as lágrimas nos olhos como se pudesses impedir-me de sentir a tristeza a esvaziar-te todos os poros da alma. Ficaste porque gostas de mim, porque gostas do momento em que te sorrio e fingimos esquecer que tudo o resto existe, esquecer que não podemos apagar a vida, como apagámos em tempos as palavras nos cadernos esborratados pela caneta do destino.
Às vezes apetecia-me esquecer-me de tudo, incluindo de ti. Matar-me. Matar-te. Matar-vos a todos para que não sofrêssemos tanto quando chegar o fim.
Não finjas, tu também sabes que ele chegará. Chega para todos. Chega um dia. Chega, e a verdade é que tu nunca poderás saber quando nem porquê.
Senta-te. Quem sabe se amanhã virás? Quem sabe se o camião amanhã não se desvia enquanto o teu pé no acelerador pensa em mim, enquanto as tuas lágrimas nos olhos te impedem de ver a dimensão da estrada?
Senta-te.
Hoje podes ficar.
Não te farei perguntas. Acho que te agradeço sem usar palavras, se também não as fizeres.
Senta-te apenas. Deixa o meu coração e o teu dialogarem nessas vozes surdas que são o meu olhar e o teu quando as palavras se tornam ridículas, que são a tua mão sobre a minha quando estendo os dedos e acredito que já todos desistiram de agarrá-los, que são as minhas lágrimas quando o teu gesto breve me limpa a amargura do rosto.
Dura pouco a hora da visita.
- È um instante,
Dizes tu.
Tens razão,
- Um instante,
Como eu e tu. Aqui. Agora. Um instante.
Quantos instantes daria para ter-te para sempre junto de mim?
Sorris. Sorrio-te também.
Se morrer amanhã, ao menos soubeste hoje que os teus olhos me fazem sorrir.
Isa Mestre
domingo, março 30, 2008
Dentro de mim
- Morri dentro de ti,
Dizes-me.
Faço silêncio. Não quero acreditar que existem espaços mortos neste coração repleto de sentimentos, nestas mãos que querem tocar-te sem saber como, nestes lábios que são teus em todos os minutos que nos percorrem as veias.
O teu olhar perde-se no infinito, devoras cigarros como quem devora mundos, em busca da resposta mais adequada. Estou aqui. Senta-te. Ousa perguntar.
Estou aqui.
Responder-te-ei.
Trazes no rosto a gélida expressão da incerteza de um amor há muito vencido, nos olhos a pergunta a balançar de uma retina para a outra, sem saber como fixar-se em mim, sem saber como usar as palavras, sem saber como dizer-me que tens a certeza que morreste dentro de mim.
Apetece-me brincar com o teu sorriso, como no tempo em que te fazia cócegas no coração e acreditava poder fazer-te sorrir para sempre.
Nada do que é verdadeiramente sincero pode morrer.
Escuta.
Ainda vives dentro de mim, ainda és o rosto risonho e o beijo no canto da boca.
Anda. Sorri.
Não pode ter passado tanto tempo. Não pode ter mudado tanta coisa. Não podes ter morto o amor com a banalidade de quem mata um insecto.
Não queres ouvir-me. Lanças frases como quem lança espadas afiadas com destino ao coração. Depois, apenas o silêncio. Esperas a negação das afirmações cruéis, esperas o beijo nos lábios do tempo, o beijo que, no mais profundo de mim, é o nosso amor a querer sorrir-te, o nosso amor a querer saltar-me dos olhos e colar-se nos teus lábios.
Poderia dizer-te o quanto te amo, mas tudo não passariam de palavras. Palavras esquecidas no amanhã, quebradas nas lágrimas que chorámos, perdidas no entrelaçar suave dos nossos dedos, brincando habilmente com a chuva.
Sabes… não direi que te amo.
Talvez nunca mais volte a fazê-lo.
Porque a melhor palavra é aquela que baila nos meus olhos quando dizes que morri dentro de ti, aquela que sorri quando a alma ameaça chorar, aquela que me abraça quando tudo o resto está prestes a ruir.
A palavra escondida por detrás do amor. A palavra que só tu e eu sabemos. Só tu e eu poderíamos saber.
Isa Mestre
Dizes-me.
Faço silêncio. Não quero acreditar que existem espaços mortos neste coração repleto de sentimentos, nestas mãos que querem tocar-te sem saber como, nestes lábios que são teus em todos os minutos que nos percorrem as veias.
O teu olhar perde-se no infinito, devoras cigarros como quem devora mundos, em busca da resposta mais adequada. Estou aqui. Senta-te. Ousa perguntar.
Estou aqui.
Responder-te-ei.
Trazes no rosto a gélida expressão da incerteza de um amor há muito vencido, nos olhos a pergunta a balançar de uma retina para a outra, sem saber como fixar-se em mim, sem saber como usar as palavras, sem saber como dizer-me que tens a certeza que morreste dentro de mim.
Apetece-me brincar com o teu sorriso, como no tempo em que te fazia cócegas no coração e acreditava poder fazer-te sorrir para sempre.
Nada do que é verdadeiramente sincero pode morrer.
Escuta.
Ainda vives dentro de mim, ainda és o rosto risonho e o beijo no canto da boca.
Anda. Sorri.
Não pode ter passado tanto tempo. Não pode ter mudado tanta coisa. Não podes ter morto o amor com a banalidade de quem mata um insecto.
Não queres ouvir-me. Lanças frases como quem lança espadas afiadas com destino ao coração. Depois, apenas o silêncio. Esperas a negação das afirmações cruéis, esperas o beijo nos lábios do tempo, o beijo que, no mais profundo de mim, é o nosso amor a querer sorrir-te, o nosso amor a querer saltar-me dos olhos e colar-se nos teus lábios.
Poderia dizer-te o quanto te amo, mas tudo não passariam de palavras. Palavras esquecidas no amanhã, quebradas nas lágrimas que chorámos, perdidas no entrelaçar suave dos nossos dedos, brincando habilmente com a chuva.
Sabes… não direi que te amo.
Talvez nunca mais volte a fazê-lo.
Porque a melhor palavra é aquela que baila nos meus olhos quando dizes que morri dentro de ti, aquela que sorri quando a alma ameaça chorar, aquela que me abraça quando tudo o resto está prestes a ruir.
A palavra escondida por detrás do amor. A palavra que só tu e eu sabemos. Só tu e eu poderíamos saber.
Isa Mestre
segunda-feira, fevereiro 04, 2008
Habitante de mim
Escrever-te-ia uma canção, se os meus dedos fossem suaves, como os teus quando me tocas os lábios e ameaças deixar-me a alma vazia de todas as palavras que me habitam.
Ensinar-te-ia as mais belas palavras de amor se nunca tivesse aprendido a ler nem escrever, pois palavras de amor, só as há na boca de quem viveu a vida pelas mãos calejadas do frio e do vento.
Não passo de um pobre coitado.
Agora, quando me olhas, não vês absolutamente nada. Amanhã, será exactamente igual. Amanhã eu continuarei a ser o miserável que arruma a dor em palavras, que constrói frases demasiado longas para que possa permitir-te colocar um ponto final na angústia de cada momento.
Sabes…se a minha vida fosse um texto, seria um texto corrido, puro, sincero e feroz, um texto sem vírgulas, sem parágrafos, sem pontos finais. Um texto como um diamante em bruto, saído do interior da terra. Um texto virgem.
Um texto que fosse as minhas mãos e as tuas quando nos beijamos, que fosse o nosso olhar quando nos estendemos sobre o tapete da vida e contamos as estrelas do céu.
Mas, a verdade é que não passo de um pobre coitado.
Olho-me. Tenho as mãos calejadas pela caneta (ou será da vida?), olhar vazio, pernas longas (porém incapazes de passos compridos como outrora), e no mais profundo de mim: o coração.
O coração que chora quando escreve e escreve quando chora.
Não sou aquilo que escrevo nem escrevo aquilo que sou. Conheces-me e sabes que os meus dedos procurar-te-iam se não me falasses aqui de dentro, deste mundo onde te vejo e não te posso tocar, onde te amo sem saber se existe a palavra amor.
Isa Mestre
Ensinar-te-ia as mais belas palavras de amor se nunca tivesse aprendido a ler nem escrever, pois palavras de amor, só as há na boca de quem viveu a vida pelas mãos calejadas do frio e do vento.
Não passo de um pobre coitado.
Agora, quando me olhas, não vês absolutamente nada. Amanhã, será exactamente igual. Amanhã eu continuarei a ser o miserável que arruma a dor em palavras, que constrói frases demasiado longas para que possa permitir-te colocar um ponto final na angústia de cada momento.
Sabes…se a minha vida fosse um texto, seria um texto corrido, puro, sincero e feroz, um texto sem vírgulas, sem parágrafos, sem pontos finais. Um texto como um diamante em bruto, saído do interior da terra. Um texto virgem.
Um texto que fosse as minhas mãos e as tuas quando nos beijamos, que fosse o nosso olhar quando nos estendemos sobre o tapete da vida e contamos as estrelas do céu.
Mas, a verdade é que não passo de um pobre coitado.
Olho-me. Tenho as mãos calejadas pela caneta (ou será da vida?), olhar vazio, pernas longas (porém incapazes de passos compridos como outrora), e no mais profundo de mim: o coração.
O coração que chora quando escreve e escreve quando chora.
Não sou aquilo que escrevo nem escrevo aquilo que sou. Conheces-me e sabes que os meus dedos procurar-te-iam se não me falasses aqui de dentro, deste mundo onde te vejo e não te posso tocar, onde te amo sem saber se existe a palavra amor.
Isa Mestre
quinta-feira, janeiro 24, 2008
Papéis
Há dias em que o coração chama por ti. Dias em que espalho os meus papéis pela casa na esperança de que venhas pisá-los, de que venhas olhar-me nos olhos e dizer-me que o que escrevo não presta, que devia dedicar-me a qualquer outra coisa.
Há dias em que parece que ainda ouço a tua voz ao fundo do corredor, a tua chave a entrar na fechadura, a tua gargalhada profunda num gesto grave e ao mesmo tempo risonho.
Dias em que não espero por mais nada nem ninguém.
Apenas tu. Na ilusão de que a caneta venha novamente riscar-me as folhas de papel.
Não sei se tenho ainda coração, ou palavras rasgadas, feridas profundas que escrevem o teu nome a sangue.
Há dias em que gostava de acreditar que não quiseste partir.
Há dias em que me apetece dizer-te que não me impeças de sonhar com o momento em que voltarás a pisar os palcos da minha vida.
Permaneço calada.
Enquanto ela me diz que te viu com outra, permaneço calada.
Idiotice. Como poderias ter-me esquecido? Como poderias não lembrar as noites passadas entre beijos e fantasia, entre “amo-tes” sussurrados aos ouvidos do mundo e palavras breves a brotar-nos do peito?
A voz assegura-me que eras tu: o mesmo jeito, o mesmo olhar… ,
E eu a pensar nos dias em que preferia que o mundo estivesse calado apenas para te ouvir, a pensar nas horas que queria transformar em milésimos de segundos, a pensar nas palavras que queria apagar da memória com a borracha da vida.
A voz a martelar-me cá dentro.
Ele. Ela. Eles.
E nós? Para onde foi aquele que me abraçava e me fazia acreditar a mulher mais feliz do mundo? Para onde foi o vagabundo que me roubou o coração e fugiu pela noite fora?
Para onde fomos nós, quando os nossos lábios se tocavam e os dedos julgavam tocar o céu da felicidade?
Talvez tenhamos desaparecido numa noite tão fria quanto aquela em que nos conhecemos.
Talvez tenhas voltado a ser apenas o menino perdido na estrada da vida, talvez eu não saiba mais como encontrar-te nos caminhos que um dia me guiaram aos teus braços.
Há dias em que continuo a acreditar que os teus passos regressaram ao trilho imperfeito dos nossos corações.
Isa Mestre
Há dias em que parece que ainda ouço a tua voz ao fundo do corredor, a tua chave a entrar na fechadura, a tua gargalhada profunda num gesto grave e ao mesmo tempo risonho.
Dias em que não espero por mais nada nem ninguém.
Apenas tu. Na ilusão de que a caneta venha novamente riscar-me as folhas de papel.
Não sei se tenho ainda coração, ou palavras rasgadas, feridas profundas que escrevem o teu nome a sangue.
Há dias em que gostava de acreditar que não quiseste partir.
Há dias em que me apetece dizer-te que não me impeças de sonhar com o momento em que voltarás a pisar os palcos da minha vida.
Permaneço calada.
Enquanto ela me diz que te viu com outra, permaneço calada.
Idiotice. Como poderias ter-me esquecido? Como poderias não lembrar as noites passadas entre beijos e fantasia, entre “amo-tes” sussurrados aos ouvidos do mundo e palavras breves a brotar-nos do peito?
A voz assegura-me que eras tu: o mesmo jeito, o mesmo olhar… ,
E eu a pensar nos dias em que preferia que o mundo estivesse calado apenas para te ouvir, a pensar nas horas que queria transformar em milésimos de segundos, a pensar nas palavras que queria apagar da memória com a borracha da vida.
A voz a martelar-me cá dentro.
Ele. Ela. Eles.
E nós? Para onde foi aquele que me abraçava e me fazia acreditar a mulher mais feliz do mundo? Para onde foi o vagabundo que me roubou o coração e fugiu pela noite fora?
Para onde fomos nós, quando os nossos lábios se tocavam e os dedos julgavam tocar o céu da felicidade?
Talvez tenhamos desaparecido numa noite tão fria quanto aquela em que nos conhecemos.
Talvez tenhas voltado a ser apenas o menino perdido na estrada da vida, talvez eu não saiba mais como encontrar-te nos caminhos que um dia me guiaram aos teus braços.
Há dias em que continuo a acreditar que os teus passos regressaram ao trilho imperfeito dos nossos corações.
Isa Mestre
sábado, dezembro 15, 2007
Deixa-me sorrir-te
Deixa-me ser o teu olhar para percorrer todos os sonhos e pousar as tuas asas nos meus braços, deixa-me ser a tua voz para ecoar pela minha casa enquanto me chamas com palavras doces e gestos infantis, deixa-me ser as tuas mãos quando está frio e se entrelaçam nas minhas num jogo de ternura.
Deixa-me ser aquilo que és só para poder voltar a ter-te do meu lado.
Caminho pela casa e sento-me no chão, como se diante de mim ainda se estendessem os teus olhos ternos, a tua doçura e a delicadeza de quem segurava sempre um livro entre as mãos, um livro chamado tempo, uma história chamada vida.
Hoje, por mais páginas que passe jamais conseguirei encontrar o parágrafo em que os nossos lábios se tocaram, a frase em que os nossos corpos se abraçaram, a palavra em que os nossos olhos se contemplaram quase a desejar ser felizes.
Talvez não existam páginas repetidas no livro da vida, talvez cada história seja única e os meus dedos estejam apenas cansados de procurar…talvez sorria às estrelas, agradecendo o dia em que me olhaste e me fizeste sentir pérola num mar de sonhos ancorados.
Não te chamo mais. Ainda que quisesse não saberia como fazê-lo. Conheço-te os traços do rosto, as rugas das mãos, a profundidade do olhar e a sensibilidade do toque, mas desconheço-te o nome.
Quem sabe um dia tento uma palavra vulgar, um nome gasto, mas hoje não, hoje és demasiado especial para perguntar-te algo tão banal como um amontoado de letras que se acredita poder definir alguém.
Por agora, fico apenas no silêncio esperando um ruído. Passos. Vozes. Campainha. Tu?
Não desejo mais nada, não desejo mais ninguém.
Deixa-me ser os teus pés para te guiar até mim…
Isa Mestre
Deixa-me ser aquilo que és só para poder voltar a ter-te do meu lado.
Caminho pela casa e sento-me no chão, como se diante de mim ainda se estendessem os teus olhos ternos, a tua doçura e a delicadeza de quem segurava sempre um livro entre as mãos, um livro chamado tempo, uma história chamada vida.
Hoje, por mais páginas que passe jamais conseguirei encontrar o parágrafo em que os nossos lábios se tocaram, a frase em que os nossos corpos se abraçaram, a palavra em que os nossos olhos se contemplaram quase a desejar ser felizes.
Talvez não existam páginas repetidas no livro da vida, talvez cada história seja única e os meus dedos estejam apenas cansados de procurar…talvez sorria às estrelas, agradecendo o dia em que me olhaste e me fizeste sentir pérola num mar de sonhos ancorados.
Não te chamo mais. Ainda que quisesse não saberia como fazê-lo. Conheço-te os traços do rosto, as rugas das mãos, a profundidade do olhar e a sensibilidade do toque, mas desconheço-te o nome.
Quem sabe um dia tento uma palavra vulgar, um nome gasto, mas hoje não, hoje és demasiado especial para perguntar-te algo tão banal como um amontoado de letras que se acredita poder definir alguém.
Por agora, fico apenas no silêncio esperando um ruído. Passos. Vozes. Campainha. Tu?
Não desejo mais nada, não desejo mais ninguém.
Deixa-me ser os teus pés para te guiar até mim…
Isa Mestre
sábado, dezembro 01, 2007
Palavra em Branco
Há pessoas que ainda antes de sorrir já nos pertencem.
Já lhe conhecemos a expressão dos olhos e os contornos suaves dos lábios, os caracóis rebeldes e a calma valsa das mãos sobre a mesa.
- O teu trabalho é escrever-me,
Disseste-me, então.
E eu, que até aquele dia queria ser escritora, desisti de colocar-te em palavras, por ter a perfeita consciência que as coisas mais belas da vida serão sempre impossíveis de escrever.
Olhei-te até ao sorriso, até à exaustão (se é que os meus olhos se cansam de te olhar)…
E por momentos, existiu entre nós o silêncio da distância entre o pintor e a sua tela.
Apenas a tua voz,
- Escreve-me.
Como as telas diziam a Picasso,
- Pinta-me.
E eu a ser incapaz de encontrar um adjectivo decente, um adjectivo que te faça sorrir e pensar o quão tola sou, enquanto me pedes que rabisque um papel.
Há mulheres a quem pagas por horas de puro prazer, pelo desejo de carne contra carne. A mim, contratas-me para que te escreva.
E serei eu mais digna que aquela que se despe diante de ti, em outras ocasiões? Será que não me dispo também, em palavras profundas e gestos escondidos?
Estou nua e nem me consegues apreciar.
Estás demasiado preocupado com os vocábulos que procuro para te adornar a alma, para te fazer mais homem.
Recorda-te dos reis que mandavam pintar retratos. Tu mandas-me escrever-te.
Despes-me. Roubas-me a alma. Tentas ensinar-me o que é o amor, quando eu nunca conseguirei escrevê-lo, porque nunca conseguirei escrever-te a ti. És o amor. E o amor é uma palavra em branco.
Isa Mestre
Já lhe conhecemos a expressão dos olhos e os contornos suaves dos lábios, os caracóis rebeldes e a calma valsa das mãos sobre a mesa.
- O teu trabalho é escrever-me,
Disseste-me, então.
E eu, que até aquele dia queria ser escritora, desisti de colocar-te em palavras, por ter a perfeita consciência que as coisas mais belas da vida serão sempre impossíveis de escrever.
Olhei-te até ao sorriso, até à exaustão (se é que os meus olhos se cansam de te olhar)…
E por momentos, existiu entre nós o silêncio da distância entre o pintor e a sua tela.
Apenas a tua voz,
- Escreve-me.
Como as telas diziam a Picasso,
- Pinta-me.
E eu a ser incapaz de encontrar um adjectivo decente, um adjectivo que te faça sorrir e pensar o quão tola sou, enquanto me pedes que rabisque um papel.
Há mulheres a quem pagas por horas de puro prazer, pelo desejo de carne contra carne. A mim, contratas-me para que te escreva.
E serei eu mais digna que aquela que se despe diante de ti, em outras ocasiões? Será que não me dispo também, em palavras profundas e gestos escondidos?
Estou nua e nem me consegues apreciar.
Estás demasiado preocupado com os vocábulos que procuro para te adornar a alma, para te fazer mais homem.
Recorda-te dos reis que mandavam pintar retratos. Tu mandas-me escrever-te.
Despes-me. Roubas-me a alma. Tentas ensinar-me o que é o amor, quando eu nunca conseguirei escrevê-lo, porque nunca conseguirei escrever-te a ti. És o amor. E o amor é uma palavra em branco.
Isa Mestre
domingo, novembro 18, 2007
O outro em ti
Encosto o nariz contra o espelho e vejo-te do outro lado, e a mãe sempre a dizer:
- tem cuidado, não vás para longe,
E tu a distanciar-te cada vez mais de ti, a ficar cada vez mais próximo do outro que não te pertence.
Um dia olhar-te-ás ao espelho e não te reconhecerás, porque na verdade, não será a tua imagem reflectida, não serão esses teus olhos brilhantes de criança que nos faziam lembrar estrelas em noites de Verão.
Não te percas,
Não vais para longe,
Sempre a minha voz a perseguir-te, a pedir-te que fiques e sejas feliz, a mostrar-te que a loucura reside em nós mesmos.
Talvez outros se tenham olhado nesse mesmo espelho e pensado o que pensas agora, talvez outros tenham pesado as vitórias e as derrotas, acreditando que isso pode determinar quem sai vencedor ou vencido do duro jogo da vida.
E tu permaneces estático em frente a um espelho de um hotel qualquer, numa cidade qualquer onde te olham como se fosses um bicho (onde tantas vezes te perguntas se não somos, afinal, todos bichos). Paraste apenas para retocar o cabelo, ajeitar o visual, e agora…olha para ti! Que fazes? Interrogaste-te? Pensas? Sonhas? Choras ou sorris?
Será que sabes quem és (será que sabemos quem somos, afinal?)?
Desconheces agora as causas que te impedem de prosseguir, que te acorrentam os pés à tua própria existência como se aquele momento fosse a confirmação completa de que não somos absolutamente nada.
Por instantes recordas as palavras da mãe (não vale a pena esconder, sei que as recordas), pensas no seu olhar doce, no gesto terno, no sorriso afável.
Não és o primeiro nem serás o último. Também eu já sorri ao espelho tentando encontrar a alegria de mim, já me perguntei quem era por me julgar tantas vezes incapaz de me encontrar, já parei e pensei, já escrevi histórias de amor, como as que escreves agora.
As palavras saltam-te da alma e acreditas-te louco, pensas que será a última coisa que fazes porque dali a nada todos te acharão demasiado ridículo para casar e ter filhos, para contar histórias de encantar e embalar berços de meninos.
Cogitas sobre o quão inútil te tornaste, despes o fato do outro que há em ti e vês-te nu ao espelho.
Será que algum dia te vais encontrar? Será que alguma estrada te poderá indicar qual o melhor caminho a seguir?
Tem cuidado, não vás para longe. Não te sintas perdido, pois só se perde quem há muito desistiu de se encontrar.
Isa Mestre
- tem cuidado, não vás para longe,
E tu a distanciar-te cada vez mais de ti, a ficar cada vez mais próximo do outro que não te pertence.
Um dia olhar-te-ás ao espelho e não te reconhecerás, porque na verdade, não será a tua imagem reflectida, não serão esses teus olhos brilhantes de criança que nos faziam lembrar estrelas em noites de Verão.
Não te percas,
Não vais para longe,
Sempre a minha voz a perseguir-te, a pedir-te que fiques e sejas feliz, a mostrar-te que a loucura reside em nós mesmos.
Talvez outros se tenham olhado nesse mesmo espelho e pensado o que pensas agora, talvez outros tenham pesado as vitórias e as derrotas, acreditando que isso pode determinar quem sai vencedor ou vencido do duro jogo da vida.
E tu permaneces estático em frente a um espelho de um hotel qualquer, numa cidade qualquer onde te olham como se fosses um bicho (onde tantas vezes te perguntas se não somos, afinal, todos bichos). Paraste apenas para retocar o cabelo, ajeitar o visual, e agora…olha para ti! Que fazes? Interrogaste-te? Pensas? Sonhas? Choras ou sorris?
Será que sabes quem és (será que sabemos quem somos, afinal?)?
Desconheces agora as causas que te impedem de prosseguir, que te acorrentam os pés à tua própria existência como se aquele momento fosse a confirmação completa de que não somos absolutamente nada.
Por instantes recordas as palavras da mãe (não vale a pena esconder, sei que as recordas), pensas no seu olhar doce, no gesto terno, no sorriso afável.
Não és o primeiro nem serás o último. Também eu já sorri ao espelho tentando encontrar a alegria de mim, já me perguntei quem era por me julgar tantas vezes incapaz de me encontrar, já parei e pensei, já escrevi histórias de amor, como as que escreves agora.
As palavras saltam-te da alma e acreditas-te louco, pensas que será a última coisa que fazes porque dali a nada todos te acharão demasiado ridículo para casar e ter filhos, para contar histórias de encantar e embalar berços de meninos.
Cogitas sobre o quão inútil te tornaste, despes o fato do outro que há em ti e vês-te nu ao espelho.
Será que algum dia te vais encontrar? Será que alguma estrada te poderá indicar qual o melhor caminho a seguir?
Tem cuidado, não vás para longe. Não te sintas perdido, pois só se perde quem há muito desistiu de se encontrar.
Isa Mestre
sexta-feira, outubro 19, 2007
Pedaços de Mim
O teu cheiro ainda na minha almofada. Passados tantos anos. O teu cheiro ainda na minha almofada. Como se tivesses acabado de acordar de uma folga de verão, como se tivesses acabado de abrir os teus olhos de menino, dizendo-me ainda que me amas.
E, de repente, é tudo mentira. Tu já não estás, os teus lábios já não me dizem de cor as palavras que o coração anseia ouvir. Procuro-te nos corredores gelados da minha solidão e encontro-te na cama de outra, enquanto lhe chamas meu amor, afagando-lhe os cabelos contra o peito, enquanto lhe dizes que a amas, como outrora me disseste, enquanto esqueces que um dia foi nessa cama que estiveste deitado comigo, de barriga voltada para o sonho de casarmos e ter filhos. E eu a pensar que palhaço te tornaste, eu a pensar como queria que fosse a mim que abraçasses, que fosse o meu nome que dissesses todos os dias, eu a pensar como eram felizes os dias em que o meu nome era tudo, em que o teu nome era um mundo a girar em volta do meu corpo.
Eu a chamar-te tolo, mas, no mais profundo de mim, a amar-te como desde o primeiro dia em que me apaixonei, a amar-te ainda como naquele olhar em que me pediste uma caneta, a amar-te ainda como no calor do nosso primeiro beijo, a amar-te ainda como se nenhum outro pudesse preencher o teu lugar.
E, no entanto, todos nós a sabermos que é mentira, todos convictos que um dia destes haverá outro coração a bater em compasso, outro olhar a devorar-me por dentro, outro sorriso a ensinar-me a sorrir.
E tu sabes, tu hás-de saber sempre disto. Por isso, ouve bem esta frase, porque quando nos falta coragem para falar, escrevemos.
Existirás em tudo.
E tu sabes que sim. Existirás na saliva dos beijos que trocarmos, nas promessas que lhes fizer, jurando-lhes amor eterno, existirás nos gemidos de prazer, enquanto eles se julgam poderosos, existirás nas verdades e nas mentiras, nas dúvidas e nas certezas. E quando o meu corpo pousar sobre o deles, a minha alma há-de procurar na tua recordação a certeza de jamais poder amar outro homem como te amei a ti.
Mas, mesmo assim, fingirei. Hei-de passar toda a minha vida a fingir.
Fingir que esqueci, que as horas passadas debaixo do cobertor dos sonhos foram apenas espigas levadas pelo vento, fingir que quando o teu olhar se cruza com o meu não há nenhuma voz que me diga baixinho,
- amo-te,
Como repito para o espelho, acreditando que me vês,
- amo-te,
Como me disseste à porta do elevador num dia de Outono,
- amo-te,
Como quando partiste e me deixaste com os cacos de uma palavra desfeita a fugir-me por entre os dedos das mãos.
Sabes o que dói mais? É não saber como colar as peças partidas.
Isa Mestre
E, de repente, é tudo mentira. Tu já não estás, os teus lábios já não me dizem de cor as palavras que o coração anseia ouvir. Procuro-te nos corredores gelados da minha solidão e encontro-te na cama de outra, enquanto lhe chamas meu amor, afagando-lhe os cabelos contra o peito, enquanto lhe dizes que a amas, como outrora me disseste, enquanto esqueces que um dia foi nessa cama que estiveste deitado comigo, de barriga voltada para o sonho de casarmos e ter filhos. E eu a pensar que palhaço te tornaste, eu a pensar como queria que fosse a mim que abraçasses, que fosse o meu nome que dissesses todos os dias, eu a pensar como eram felizes os dias em que o meu nome era tudo, em que o teu nome era um mundo a girar em volta do meu corpo.
Eu a chamar-te tolo, mas, no mais profundo de mim, a amar-te como desde o primeiro dia em que me apaixonei, a amar-te ainda como naquele olhar em que me pediste uma caneta, a amar-te ainda como no calor do nosso primeiro beijo, a amar-te ainda como se nenhum outro pudesse preencher o teu lugar.
E, no entanto, todos nós a sabermos que é mentira, todos convictos que um dia destes haverá outro coração a bater em compasso, outro olhar a devorar-me por dentro, outro sorriso a ensinar-me a sorrir.
E tu sabes, tu hás-de saber sempre disto. Por isso, ouve bem esta frase, porque quando nos falta coragem para falar, escrevemos.
Existirás em tudo.
E tu sabes que sim. Existirás na saliva dos beijos que trocarmos, nas promessas que lhes fizer, jurando-lhes amor eterno, existirás nos gemidos de prazer, enquanto eles se julgam poderosos, existirás nas verdades e nas mentiras, nas dúvidas e nas certezas. E quando o meu corpo pousar sobre o deles, a minha alma há-de procurar na tua recordação a certeza de jamais poder amar outro homem como te amei a ti.
Mas, mesmo assim, fingirei. Hei-de passar toda a minha vida a fingir.
Fingir que esqueci, que as horas passadas debaixo do cobertor dos sonhos foram apenas espigas levadas pelo vento, fingir que quando o teu olhar se cruza com o meu não há nenhuma voz que me diga baixinho,
- amo-te,
Como repito para o espelho, acreditando que me vês,
- amo-te,
Como me disseste à porta do elevador num dia de Outono,
- amo-te,
Como quando partiste e me deixaste com os cacos de uma palavra desfeita a fugir-me por entre os dedos das mãos.
Sabes o que dói mais? É não saber como colar as peças partidas.
Isa Mestre
quinta-feira, outubro 11, 2007
Choveu dentro de mim
Choveu tanto nessa noite. Choveu demasiado nessa noite. Talvez, se não tivesse chovido tanto, as gotas do teu coração não inundassem o meu como que impregnando-se em cada parte do meu corpo, como que sendo minhas a casa instante.
Hoje, quero sacudir as roupas e pingo por todos os lados. Dizem-me que cheiro a ti, que tenho ainda o teu perfume preso no meu pescoço, a tua boca suavemente encostada ao meu ouvido dizendo-me que me ama. Quero fugir. Corro, corro. Mas para onde ir? Se estás em cada momento, se os teus lábios me perseguem como se me beijassem levemente os ombros depois de fazermos amor.
Imagino-te de pés descalços e camisa encharcada a percorrer-me a casa, a procurar duas chávenas de café bem quentinhas para me acolheres junto ao leito, para me calares esta voz que me diz que não posso ser tua, quando já te pertenço.
E ele lá fora. Ao frio, à chuva, ao vento. Ele que foi buscar os miúdos à escola e lhes preparou o jantar, ele que ligou vezes infinitas, procurando a mulher com quem casou. Procurando quem já não sou.
De um lado para o outro, caminha freneticamente pela rua. Imagino as vezes que terá ligado para o escritório, para a minha mãe, para a minha irmã…imagino as imagens que lhe atravessam a mente e quero voltar. Mas tu estás aqui, como lama presa nos meus sapatos, tu permaneces imóvel e apaixonado, risonho e astuto. E pela primeira vez na vida, tenho a certeza de nunca mais poder voltar a amá-lo como te amo a ti.
Fico calada. As minhas palavras denunciariam a paixão e afinal quem sou eu para sonhar? Eu que tenho os sapatos sujos de lama, que estou submersa na infidelidade de quem usa aliança no dedo e tem o coração amarrado pelos traços do destino.
Aqui, na tua cama, deixo de ser a mãe, a esposa que faz o jantar, que passa a ferro e lava a loiça, deixo de ser a menina de sorriso aberto que casou com o arquitecto bem sucedido, para ser apenas tua. Somente tua.
E, por vezes, o que parece tão pouco significa tanto dentro de nós.
Fico mais um pouco. Vou fingir que esqueço que os miúdos chamam por mim, vou fingir que sou feliz com a vida que tenho lá fora. E quando sair deste quarto, vou deixar-te um bilhete na mesa-de-cabeceira. O que dirá não sei. O que farás depois disso apenas tu poderás saber.
Isa Mestre
Hoje, quero sacudir as roupas e pingo por todos os lados. Dizem-me que cheiro a ti, que tenho ainda o teu perfume preso no meu pescoço, a tua boca suavemente encostada ao meu ouvido dizendo-me que me ama. Quero fugir. Corro, corro. Mas para onde ir? Se estás em cada momento, se os teus lábios me perseguem como se me beijassem levemente os ombros depois de fazermos amor.
Imagino-te de pés descalços e camisa encharcada a percorrer-me a casa, a procurar duas chávenas de café bem quentinhas para me acolheres junto ao leito, para me calares esta voz que me diz que não posso ser tua, quando já te pertenço.
E ele lá fora. Ao frio, à chuva, ao vento. Ele que foi buscar os miúdos à escola e lhes preparou o jantar, ele que ligou vezes infinitas, procurando a mulher com quem casou. Procurando quem já não sou.
De um lado para o outro, caminha freneticamente pela rua. Imagino as vezes que terá ligado para o escritório, para a minha mãe, para a minha irmã…imagino as imagens que lhe atravessam a mente e quero voltar. Mas tu estás aqui, como lama presa nos meus sapatos, tu permaneces imóvel e apaixonado, risonho e astuto. E pela primeira vez na vida, tenho a certeza de nunca mais poder voltar a amá-lo como te amo a ti.
Fico calada. As minhas palavras denunciariam a paixão e afinal quem sou eu para sonhar? Eu que tenho os sapatos sujos de lama, que estou submersa na infidelidade de quem usa aliança no dedo e tem o coração amarrado pelos traços do destino.
Aqui, na tua cama, deixo de ser a mãe, a esposa que faz o jantar, que passa a ferro e lava a loiça, deixo de ser a menina de sorriso aberto que casou com o arquitecto bem sucedido, para ser apenas tua. Somente tua.
E, por vezes, o que parece tão pouco significa tanto dentro de nós.
Fico mais um pouco. Vou fingir que esqueço que os miúdos chamam por mim, vou fingir que sou feliz com a vida que tenho lá fora. E quando sair deste quarto, vou deixar-te um bilhete na mesa-de-cabeceira. O que dirá não sei. O que farás depois disso apenas tu poderás saber.
Isa Mestre
segunda-feira, setembro 17, 2007
Ensaio
Será que ficámos escravos do silêncio? Será que se calaram todas as vozes que ontem disseram as palavras mais belas do mundo, os sentimentos mais puros, os mais nobres e sinceros.
Porque hoje, chamo por ti e não há vozes que me respondam do outro lado da vitrina, não há o teu sorriso de menino nem os teus olhos doces de homem.
Fugiste de casa, disseram-me os teus pais, num ar de crueldade e indiferença, como se, de repente, deixasses de ser assunto deles para te arquivarem junto das coisas que nos metem medo, junto dos fantasmas loucos das nossa mentes, nessa caixinha profunda e triste, nesse secreto baú que todos insistimos em ocultar o nome.
Mas eu sei e eles sabem. Nós sabemos que esse baú guarda todas as horas que passámos juntos e todas as memórias para, mais tarde, agrupá-las com o rasto da desilusão.
Embora eles insistam em dar-lhe outros nomes, aquilo que guardam dentro do peito é a revolta e a tristeza de quem te acolheu carinhosamente nos braços e te viu partir, como pássaro que voa sem rumo.
O que sentem é a revolta de dois seres que não se prepararam para o facto de a vida nos impor determinadas escolhas, de a vida nem sempre ser aquilo que esperamos que ela seja.
Com olhos húmidos e expressão amargurada falam-me do dia em que lhes ensinaste que a tolerância talvez seja o valor mais importante da vida.
- Pai, sou homossexual.
É assim que o teu velho repete a frase que ainda ecoa dentro do seu coração, a frase que fere, que magoa, a frase que marca e que mata pela sua diferença, pela sua inevitabilidade. E como se ainda estivesses diante dele, a mesma cara de surpresa, o mesmo olhar de reprovação, as mesmas perguntas a ressoar dentro do coração, os mesmos som repetidos tantas vezes, tantas vezes…
Os seus olhos inundados de culpa a querer chamar-te,
- Paneleiro de merda,
A querer dizer-te que sejas igual a todos os outros, a querer mostrar-te que tudo pode não passar de uma incerteza tola, os seus olhos ainda a desejar querer abraçar-te e acreditar que tudo não passa de uma mentira.
Há nele o maior peso que transportamos para o mundo: a culpa.
A culpa por não ter sido um pai mais presente, por não te ter ensinado a jogar à bola e a brincar com carrinhos, por não te ter levado às meninas e amestrado a beber cerveja como um verdadeiro homem.
Tolice pensar que podemos evitar as nossas próprias escolhas, delimitar outros caminhos senão aqueles que nos pertencem.
Depois, as lágrimas na face da tua mãe. A tristeza da mulher que já esqueceu a desilusão da diferença e que acredita poder voltar a ter-te do seu lado.
Mas tu partiste. Não lhes ensinaste a lição, não lhes provaste que na vida há que aprender todos os dias, e sobretudo, há que aprender com a diferença, com a excepção. Fugiste. Foste cobarde, incapaz de enfrentar as dificuldades que se atravessaram no teu caminho.
Hoje, tropeças nas memórias que te prendem a casa, encalhas na palavra mãe e descem-te as lágrimas pelo rosto quando ensaias o vocábulo pai. Um dia hás-de cair, porque ninguém segue de cabeça erguida, sem cair pelo menos uma vez na vida.
Volta atrás. Ensina-os a tolerar e ensina-te a perdoar. Corre, luta, grita, salta, ama. Mas nunca sejas cobarde ao ponto de fugir.
Isa Mestre
Porque hoje, chamo por ti e não há vozes que me respondam do outro lado da vitrina, não há o teu sorriso de menino nem os teus olhos doces de homem.
Fugiste de casa, disseram-me os teus pais, num ar de crueldade e indiferença, como se, de repente, deixasses de ser assunto deles para te arquivarem junto das coisas que nos metem medo, junto dos fantasmas loucos das nossa mentes, nessa caixinha profunda e triste, nesse secreto baú que todos insistimos em ocultar o nome.
Mas eu sei e eles sabem. Nós sabemos que esse baú guarda todas as horas que passámos juntos e todas as memórias para, mais tarde, agrupá-las com o rasto da desilusão.
Embora eles insistam em dar-lhe outros nomes, aquilo que guardam dentro do peito é a revolta e a tristeza de quem te acolheu carinhosamente nos braços e te viu partir, como pássaro que voa sem rumo.
O que sentem é a revolta de dois seres que não se prepararam para o facto de a vida nos impor determinadas escolhas, de a vida nem sempre ser aquilo que esperamos que ela seja.
Com olhos húmidos e expressão amargurada falam-me do dia em que lhes ensinaste que a tolerância talvez seja o valor mais importante da vida.
- Pai, sou homossexual.
É assim que o teu velho repete a frase que ainda ecoa dentro do seu coração, a frase que fere, que magoa, a frase que marca e que mata pela sua diferença, pela sua inevitabilidade. E como se ainda estivesses diante dele, a mesma cara de surpresa, o mesmo olhar de reprovação, as mesmas perguntas a ressoar dentro do coração, os mesmos som repetidos tantas vezes, tantas vezes…
Os seus olhos inundados de culpa a querer chamar-te,
- Paneleiro de merda,
A querer dizer-te que sejas igual a todos os outros, a querer mostrar-te que tudo pode não passar de uma incerteza tola, os seus olhos ainda a desejar querer abraçar-te e acreditar que tudo não passa de uma mentira.
Há nele o maior peso que transportamos para o mundo: a culpa.
A culpa por não ter sido um pai mais presente, por não te ter ensinado a jogar à bola e a brincar com carrinhos, por não te ter levado às meninas e amestrado a beber cerveja como um verdadeiro homem.
Tolice pensar que podemos evitar as nossas próprias escolhas, delimitar outros caminhos senão aqueles que nos pertencem.
Depois, as lágrimas na face da tua mãe. A tristeza da mulher que já esqueceu a desilusão da diferença e que acredita poder voltar a ter-te do seu lado.
Mas tu partiste. Não lhes ensinaste a lição, não lhes provaste que na vida há que aprender todos os dias, e sobretudo, há que aprender com a diferença, com a excepção. Fugiste. Foste cobarde, incapaz de enfrentar as dificuldades que se atravessaram no teu caminho.
Hoje, tropeças nas memórias que te prendem a casa, encalhas na palavra mãe e descem-te as lágrimas pelo rosto quando ensaias o vocábulo pai. Um dia hás-de cair, porque ninguém segue de cabeça erguida, sem cair pelo menos uma vez na vida.
Volta atrás. Ensina-os a tolerar e ensina-te a perdoar. Corre, luta, grita, salta, ama. Mas nunca sejas cobarde ao ponto de fugir.
Isa Mestre
sexta-feira, agosto 10, 2007
Meio dia e um quarto
Gosto quando me perguntas se quero sair. Gosto de querer dizer não, de sentir que sou capaz de ir contra a vontade do próprio coração para ensinar a mim mesma uma lição de dignidade. Gosto quando no visor do meu telemóvel se desenham as letras do teu nome.
Nunca tive oportunidade de dizer-te, mas adoro as letras do teu nome.
Sabes, talvez seja esta a parte de mim que gosta de ti.
Vou. Com aliança no dedo, com fotografias a encher-me o quarto e a alma, vou com lembranças de todos os momentos, vou na certeza de amar outro e querer-te só a ti.
Disseste-me que tomaríamos um café, quem sabe trocaríamos dois dedos de conversa numa esplanada qualquer… E eu queria dizer-te que adoro a forma como me olhas, adoro o verde desses teus olhos luminosos, que de noite, parecem dois semáforos que se acendem, mostrando-me, que no amor, tal como na vida, nem tudo é proibido.
Chegaste.
Olho-te. Escondo o olhar. Penso. Sonho. Fujo. Quero fugir. Mas a ideia vem novamente.
Quem me dera poder beijar-te.
Que loucura! Não quero. Não posso. O meu coração não te pertence, há algo que me diz que amo alguém, que alguém me ama, do outro lado, onde não há fronteiras, mas existem nuvens cinzentas depois da poeira dos sonhos. Porque contigo, todos os dias parecem incrivelmente risonhos, porque a teu lado todos os cheiros nos pertencem, todas as cidades nos deambulam entre os dedos das mãos.
Falamos sobre coisas banais. Eu finjo não sentir o que sinto, para deixar de ser quem sou, tu, sorrindo, dando-me a ilusória sensação que brincas com a expressão do meu rosto, dizes baixinho o nome dele.
Como se todas as coisas se acendessem, como se todas as memórias se dispusessem lentamente na mesa onde tomamos café. Apetece-me lançar os braços, agarrar algumas memórias, apetece-me que passem cinco anos, apetece-me estar sentada contigo outra vez, acariciando-te os dedos enquanto te digo,
- Fomos felizes,
Apontando para a memória do outro a quem pertence o meu coração.
E tu sorris. No mais profundo de ti, sabes que te adoro, que desde o primeiro dia houve algo mais que companheirismo e alegria.
Sabes que quero beijar-te e não posso, que quero sorrir-te e me falta liberdade para tal.
Sou tua e não te pertenço. Será sempre assim. Porque nada nos dá a liberdade de magoar quando nunca fomos magoados.
Isa Mestre
Nunca tive oportunidade de dizer-te, mas adoro as letras do teu nome.
Sabes, talvez seja esta a parte de mim que gosta de ti.
Vou. Com aliança no dedo, com fotografias a encher-me o quarto e a alma, vou com lembranças de todos os momentos, vou na certeza de amar outro e querer-te só a ti.
Disseste-me que tomaríamos um café, quem sabe trocaríamos dois dedos de conversa numa esplanada qualquer… E eu queria dizer-te que adoro a forma como me olhas, adoro o verde desses teus olhos luminosos, que de noite, parecem dois semáforos que se acendem, mostrando-me, que no amor, tal como na vida, nem tudo é proibido.
Chegaste.
Olho-te. Escondo o olhar. Penso. Sonho. Fujo. Quero fugir. Mas a ideia vem novamente.
Quem me dera poder beijar-te.
Que loucura! Não quero. Não posso. O meu coração não te pertence, há algo que me diz que amo alguém, que alguém me ama, do outro lado, onde não há fronteiras, mas existem nuvens cinzentas depois da poeira dos sonhos. Porque contigo, todos os dias parecem incrivelmente risonhos, porque a teu lado todos os cheiros nos pertencem, todas as cidades nos deambulam entre os dedos das mãos.
Falamos sobre coisas banais. Eu finjo não sentir o que sinto, para deixar de ser quem sou, tu, sorrindo, dando-me a ilusória sensação que brincas com a expressão do meu rosto, dizes baixinho o nome dele.
Como se todas as coisas se acendessem, como se todas as memórias se dispusessem lentamente na mesa onde tomamos café. Apetece-me lançar os braços, agarrar algumas memórias, apetece-me que passem cinco anos, apetece-me estar sentada contigo outra vez, acariciando-te os dedos enquanto te digo,
- Fomos felizes,
Apontando para a memória do outro a quem pertence o meu coração.
E tu sorris. No mais profundo de ti, sabes que te adoro, que desde o primeiro dia houve algo mais que companheirismo e alegria.
Sabes que quero beijar-te e não posso, que quero sorrir-te e me falta liberdade para tal.
Sou tua e não te pertenço. Será sempre assim. Porque nada nos dá a liberdade de magoar quando nunca fomos magoados.
Isa Mestre
segunda-feira, junho 25, 2007
Esboço de Partida
Seria triste dizer-te adeus, pensei na hora da partida. Seria triste dizer adeus a todos os passos, a todas as escadas que subimos juntos, a todos os bancos onde nos sentámos, a todas as nuvens onde pousámos os nossos sorrisos. Seria triste sorrir-te com lágrimas para te dizer que vou para mais uma etapa, que vou em busca dos mesmos sonhos que trouxe debaixo do braço, como espiga levada pelo vento.
Ainda ontem a aragem doce dos sonhos nos tolhia os rostos assustados de meninos e hoje é o vento de norte a embalar-me os passos, a dizer-me que não posso mais ficar, a provar-me que as minhas pernas se tornaram demasiado pesadas para o caminho a percorrer.
Separam-nos duas portas, dois mundos, duas vidas…separam-nos um adeus e um até já que nunca serei capaz de pronunciar. Mentir-te-ia em ambos os casos, e tu bem sabes, que nas artes da falsidade careço de engenho e perícia.
Mas, afinal, nada muda quando os sonhos permanecem no lugar da memória.
Deixa os teus livros em cima da mesa, amanhã outros olhos olhar-te-ão atentamente, outras mãos buscarão as tuas procurando antídoto para os males do mundo, outros pensamentos se cruzarão com a tua vontade de viver.
Talvez amanhã te lembres de mim, do rosto vago e indefinido por entre os semblantes da multidão, do sorriso maroto e do gesto indelével demarcado no teu coração.
Nunca te direi adeus, nunca caminharei solitária pelo corredor que nos separa para te dizer aquilo que trago junto ao peito. Amanhã, quando perceberes a minha ausência, tenho a certeza que te recordarás dos silêncios entre uma e outra conversa, das pausas amistosas entre sorrisos, e nesse momento, não precisarás de palavras para saber que te adoro.
Vejo-te ainda ao fundo, tento erguer a mão, esboçar algo parecido com um gesto de partida, mas, de pronto, o coração diminui-me os braços para me encher a alma, encolhe-me os dedos para me esticar o sorriso.
Como se diz adeus, quando queremos ficar?
Se ao menos pudéssemos aprender tudo na escola…
Isa Mestre
Ainda ontem a aragem doce dos sonhos nos tolhia os rostos assustados de meninos e hoje é o vento de norte a embalar-me os passos, a dizer-me que não posso mais ficar, a provar-me que as minhas pernas se tornaram demasiado pesadas para o caminho a percorrer.
Separam-nos duas portas, dois mundos, duas vidas…separam-nos um adeus e um até já que nunca serei capaz de pronunciar. Mentir-te-ia em ambos os casos, e tu bem sabes, que nas artes da falsidade careço de engenho e perícia.
Mas, afinal, nada muda quando os sonhos permanecem no lugar da memória.
Deixa os teus livros em cima da mesa, amanhã outros olhos olhar-te-ão atentamente, outras mãos buscarão as tuas procurando antídoto para os males do mundo, outros pensamentos se cruzarão com a tua vontade de viver.
Talvez amanhã te lembres de mim, do rosto vago e indefinido por entre os semblantes da multidão, do sorriso maroto e do gesto indelével demarcado no teu coração.
Nunca te direi adeus, nunca caminharei solitária pelo corredor que nos separa para te dizer aquilo que trago junto ao peito. Amanhã, quando perceberes a minha ausência, tenho a certeza que te recordarás dos silêncios entre uma e outra conversa, das pausas amistosas entre sorrisos, e nesse momento, não precisarás de palavras para saber que te adoro.
Vejo-te ainda ao fundo, tento erguer a mão, esboçar algo parecido com um gesto de partida, mas, de pronto, o coração diminui-me os braços para me encher a alma, encolhe-me os dedos para me esticar o sorriso.
Como se diz adeus, quando queremos ficar?
Se ao menos pudéssemos aprender tudo na escola…
Isa Mestre
quarta-feira, abril 11, 2007
Irmãos do Sonho
Agora a vida é a sério, chama por nós, estica-nos as mãos e espera que as agarremos com toda a força do mundo.
Recordo ainda a voz do pai,
- Um dia a vida será a sério.
É verdade. E nós a pensar que esse dia nunca mais chegaria, que seríamos sempre garotos debaixo das asas do nosso pequeno herói, protegidos pela força do amor que nos unia, nós a pensar que eram tudo palavras soltas no tempo, palavras de pai para ouvidos de filho, palavras de uma alma madura para uma semente em crescimento.
Depois, a vida fez-nos crescer e cresceu connosco.
No rosto do pai há ainda os meninos que fomos ontem, as pedrinhas lançadas em ricochete na ribeira, as fisgas arremessadas à lata pendurada no arame farpado das nossas vidas. Nas suas mãos, ainda os espinhos de uma existência sofrida, as marcas profundas na pele, o desejo de abraçar-nos novamente e sentir os seus dedos de encontro aos nossos.
Onde estamos, meu irmão?
Longe, longe. Como se nos separassem rios distintos, margens intransponíveis, livros onde se escreve o que somos e o que sentimos, ainda que os capítulos sejam intermináveis e repletos de palavras vagabundas.
E o coração, onde o deixámos? Ou será que nos tornámos meras peças de fábrica, produzidas em série?
Que tens tatuado no peito? O amor que nos acolheu ou o frio da ausência que nos mata? Que tens tatuado no peito?
A minha pergunta a percorrer o quarto, a soltar-se pela cidade, a voar em busca dos teus olhos sôfregos e ambiciosos…e lá no fundo de mim, novamente a voz suave, os olhos ternos, o sorriso franco e o gesto alegre,
- Um dia a vida será a sério,
E novamente o teu olhar de miúdo, os braços pequeninos e as mãos singelas, novamente a tua voz de quem quer ser homem assim que a vida lhe permita tamanha ousadia,
- Sim pai, sim pai…
E o pai quase a fingir que acredita que entendeste a lição, quase a virar costas e a sorrir, imaginando-nos homens feitos e de barba rija. Quase.
Afinal, passados tantos anos e tanta vida ainda somos uns meninos.
A infância não cai nem morre, simplesmente, por vezes esquecemo-nos de lembrá-la, e é isso que provoca em nós a ilusória sensação de nos imaginarmos maiores do que somos na realidade.
Um dia a vida será a sério, ouviste?
Isa Mestre
Recordo ainda a voz do pai,
- Um dia a vida será a sério.
É verdade. E nós a pensar que esse dia nunca mais chegaria, que seríamos sempre garotos debaixo das asas do nosso pequeno herói, protegidos pela força do amor que nos unia, nós a pensar que eram tudo palavras soltas no tempo, palavras de pai para ouvidos de filho, palavras de uma alma madura para uma semente em crescimento.
Depois, a vida fez-nos crescer e cresceu connosco.
No rosto do pai há ainda os meninos que fomos ontem, as pedrinhas lançadas em ricochete na ribeira, as fisgas arremessadas à lata pendurada no arame farpado das nossas vidas. Nas suas mãos, ainda os espinhos de uma existência sofrida, as marcas profundas na pele, o desejo de abraçar-nos novamente e sentir os seus dedos de encontro aos nossos.
Onde estamos, meu irmão?
Longe, longe. Como se nos separassem rios distintos, margens intransponíveis, livros onde se escreve o que somos e o que sentimos, ainda que os capítulos sejam intermináveis e repletos de palavras vagabundas.
E o coração, onde o deixámos? Ou será que nos tornámos meras peças de fábrica, produzidas em série?
Que tens tatuado no peito? O amor que nos acolheu ou o frio da ausência que nos mata? Que tens tatuado no peito?
A minha pergunta a percorrer o quarto, a soltar-se pela cidade, a voar em busca dos teus olhos sôfregos e ambiciosos…e lá no fundo de mim, novamente a voz suave, os olhos ternos, o sorriso franco e o gesto alegre,
- Um dia a vida será a sério,
E novamente o teu olhar de miúdo, os braços pequeninos e as mãos singelas, novamente a tua voz de quem quer ser homem assim que a vida lhe permita tamanha ousadia,
- Sim pai, sim pai…
E o pai quase a fingir que acredita que entendeste a lição, quase a virar costas e a sorrir, imaginando-nos homens feitos e de barba rija. Quase.
Afinal, passados tantos anos e tanta vida ainda somos uns meninos.
A infância não cai nem morre, simplesmente, por vezes esquecemo-nos de lembrá-la, e é isso que provoca em nós a ilusória sensação de nos imaginarmos maiores do que somos na realidade.
Um dia a vida será a sério, ouviste?
Isa Mestre
sábado, março 03, 2007
Errante
Não posso calar a tua voz, não posso.
Tu a dizeres que tenho culpa, que nunca deveria ter sido como fui, que nunca deveria ter feito todas as coisas que fiz, que nunca poderia ter existido na tua vida.
Desculpa. Pudesse eu voltar atrás, mudar o rumo dos sonhos, enveredar por uma outra estrada estreita senão aquela em que nos conhecemos: a estrada da vida. Garanto-te que tudo seria diferente. No meu lugar haverias de ter uma rapariga de sonhos firmes e flores presas no cabelo, uma menina que acreditasse que o amor é terno e te fizesse acreditar nisso mesmo.
E agora, que queres fazer? Se eu naquele dia enveredei pela estrada onde também caminhavas com passos firmes e olhar perdido, se eu naquele dia me apaixonei por esse sorriso de menino vagabundo e aventureiro…
Que queres fazer? Matar a verdade, matar os dias como julgaste matar os sentimentos que tens dentro do peito?
Insistes. Não posso calar a tua voz, não posso.
Porque as minhas mãos são frágeis e o meu coração ainda quer se o bilhetinho colado no armário dos teus amores, porque os meus dedos ainda acolhem o pedaço de ouro que me deste em troca de amor e fidelidade.
Não posso matar a culpa, afastar as palavras que um dia te feriram e magoaram. Fui eu. O juiz a perguntar quem é inocente e quem é culpado e a minha voz lá no fundo do teu espírito,
- Fui eu,
Acuso-me. Fui eu. Repito. Fui eu.
Que se passa? Porque te levam a ti? Porque te algemam a vontade de viver e te condenam à grilheta?
Tu gritas. E eu não posso calar a tua voz.
Como te disse, conhecemo-nos na estrada errada. Oxalá esse teu sorriso maroto se tivesse cruzado com os meus olhos ávidos de carinho numa estrada mais longa, onde a vida nos permitisse ser mais do que somos, onde a vida te deixasse ser meu por mais alguns instantes.
Desculpa se te magoei, mas não quero fingir. Não posso.
Acorrentem-me os braços, amordacem-me para não chamar mais pelo teu nome, limpem-me as lágrimas do rosto e coloquem-me a tua imagem junto ao peito. Depois…a vida saberá o que fazer comigo.
Isa Mestre
Tu a dizeres que tenho culpa, que nunca deveria ter sido como fui, que nunca deveria ter feito todas as coisas que fiz, que nunca poderia ter existido na tua vida.
Desculpa. Pudesse eu voltar atrás, mudar o rumo dos sonhos, enveredar por uma outra estrada estreita senão aquela em que nos conhecemos: a estrada da vida. Garanto-te que tudo seria diferente. No meu lugar haverias de ter uma rapariga de sonhos firmes e flores presas no cabelo, uma menina que acreditasse que o amor é terno e te fizesse acreditar nisso mesmo.
E agora, que queres fazer? Se eu naquele dia enveredei pela estrada onde também caminhavas com passos firmes e olhar perdido, se eu naquele dia me apaixonei por esse sorriso de menino vagabundo e aventureiro…
Que queres fazer? Matar a verdade, matar os dias como julgaste matar os sentimentos que tens dentro do peito?
Insistes. Não posso calar a tua voz, não posso.
Porque as minhas mãos são frágeis e o meu coração ainda quer se o bilhetinho colado no armário dos teus amores, porque os meus dedos ainda acolhem o pedaço de ouro que me deste em troca de amor e fidelidade.
Não posso matar a culpa, afastar as palavras que um dia te feriram e magoaram. Fui eu. O juiz a perguntar quem é inocente e quem é culpado e a minha voz lá no fundo do teu espírito,
- Fui eu,
Acuso-me. Fui eu. Repito. Fui eu.
Que se passa? Porque te levam a ti? Porque te algemam a vontade de viver e te condenam à grilheta?
Tu gritas. E eu não posso calar a tua voz.
Como te disse, conhecemo-nos na estrada errada. Oxalá esse teu sorriso maroto se tivesse cruzado com os meus olhos ávidos de carinho numa estrada mais longa, onde a vida nos permitisse ser mais do que somos, onde a vida te deixasse ser meu por mais alguns instantes.
Desculpa se te magoei, mas não quero fingir. Não posso.
Acorrentem-me os braços, amordacem-me para não chamar mais pelo teu nome, limpem-me as lágrimas do rosto e coloquem-me a tua imagem junto ao peito. Depois…a vida saberá o que fazer comigo.
Isa Mestre
sábado, fevereiro 17, 2007
Loucura
Podes tirar o penso da ferida. Eu já sei que existe dor, que há sangue que jamais poderei estancar, já sei que os teus braços e as tuas mãos correm desesperadamente atrás de um mundo que te foge, que me foge, que nos foge.
Não te quero curar as feridas. Não tenho palavras que nos unam, sentimentos que nos façam um do outro, como o mar pertence à terra, como a luz pertence ao dia. Não tenho uma história que te torne meu, porque estendo as mãos e não te sinto a pele, mas sim o vazio das manhãs frias em que te procurei na neblina da madrugada.
Eles dizem que não existes, que és fruto desta árvore que vive em mim, deste mundo de fantasia que tinge as paredes do meu quarto de mil cores e de mil sons.
Eles a dizer,
- É mentira.
E tu dentro de mim, a tua voz em sussurros repetidos,
- Estou aqui.
E eu a saber que estás, a querer olhar mais para dentro de ti, até te ver por completo, até sentir que o teu peito bate com a precisão dos ponteiros do relógio da minha alma.
Ás vezes apetece-me tocar-te, trazer-te pela mão para dentro do meu mundo, ensinar-te cada rosto, cada expressão, cada palavra, cada pessoa que me habita.
E quando eles me levam para os consultórios e me chamam louca, apetece-me dizer-lhes que olhem para ti, porque existes em cada um deles com a mesma alegria e plenitude com quem vives no meu corpo.
Recordo os relatórios pousados sobre a mesa dos homens robustos e de pele queimada pelo tempo, sempre as mesmas letras esquecidas no papel, as letras perdidas entre ti e mim,
- Alienação mental com modificação profunda da personalidade,
Que verdade é esta? A que mentira nos propõem?
Não me chega dizer que sei quem sou, eles querem mais, eles continuam a procurar o teu rasto, como felinos com olfacto apurado e olhos bem abertos na escuridão da noite, eles perguntam,
- Quem vive dentro de ti? ,
E eu respondo com o silêncio. Não me vendo por respostas fáceis, não me deixo comprar pelas ilusões que a vida já me proporcionou. Não sou criança. Antes o fosse…mas não sou .
Calem-se todas as vozes. Porque se minto, o silêncio responderá em meu nome, e se digo verdade, apenas uma voz se unirá à minha para cantarmos a mesma canção.
Escutem! Ouço passos ao longe. Será que és tu, ou o médico que me julga louca?
Apenas um dos dois. Tal como no mundo. Apenas uma escolha. Apenas um destino. Apenas uma vida para uma morte.
Isa Mestre
Não te quero curar as feridas. Não tenho palavras que nos unam, sentimentos que nos façam um do outro, como o mar pertence à terra, como a luz pertence ao dia. Não tenho uma história que te torne meu, porque estendo as mãos e não te sinto a pele, mas sim o vazio das manhãs frias em que te procurei na neblina da madrugada.
Eles dizem que não existes, que és fruto desta árvore que vive em mim, deste mundo de fantasia que tinge as paredes do meu quarto de mil cores e de mil sons.
Eles a dizer,
- É mentira.
E tu dentro de mim, a tua voz em sussurros repetidos,
- Estou aqui.
E eu a saber que estás, a querer olhar mais para dentro de ti, até te ver por completo, até sentir que o teu peito bate com a precisão dos ponteiros do relógio da minha alma.
Ás vezes apetece-me tocar-te, trazer-te pela mão para dentro do meu mundo, ensinar-te cada rosto, cada expressão, cada palavra, cada pessoa que me habita.
E quando eles me levam para os consultórios e me chamam louca, apetece-me dizer-lhes que olhem para ti, porque existes em cada um deles com a mesma alegria e plenitude com quem vives no meu corpo.
Recordo os relatórios pousados sobre a mesa dos homens robustos e de pele queimada pelo tempo, sempre as mesmas letras esquecidas no papel, as letras perdidas entre ti e mim,
- Alienação mental com modificação profunda da personalidade,
Que verdade é esta? A que mentira nos propõem?
Não me chega dizer que sei quem sou, eles querem mais, eles continuam a procurar o teu rasto, como felinos com olfacto apurado e olhos bem abertos na escuridão da noite, eles perguntam,
- Quem vive dentro de ti? ,
E eu respondo com o silêncio. Não me vendo por respostas fáceis, não me deixo comprar pelas ilusões que a vida já me proporcionou. Não sou criança. Antes o fosse…mas não sou .
Calem-se todas as vozes. Porque se minto, o silêncio responderá em meu nome, e se digo verdade, apenas uma voz se unirá à minha para cantarmos a mesma canção.
Escutem! Ouço passos ao longe. Será que és tu, ou o médico que me julga louca?
Apenas um dos dois. Tal como no mundo. Apenas uma escolha. Apenas um destino. Apenas uma vida para uma morte.
Isa Mestre
quarta-feira, janeiro 31, 2007
Emboscada
Caminho pela rua, não sei quem sou.
Chamam-me. Não olho para trás, porque mesmo que o alcatrão me prenda os pés, jamais poderá algemar a minha força de viver, a minha vontade de seguir pela estrada fora e desenhar novos rumos.
Chamam-me. Nas vozes cansadas do tempo, nos acordes perfeitos da vida…apenas o meu nome segredado no ouvido do mundo,
- Rodrigo,
O meu nome a percorrer todas as vozes e a ser todos os corpos,
O meu nome a sorrir e a sonhar,
O meu nome a cair,
O meu nome repleto de sangue,
O meu nome a morrer,
- Rodrigo,
Como da última vez que me chamaste.
- Rodrigo,
Como quando a minha mãe disse à enfermeira que nome me daria.
Mas eu não sei quem sou.
Não olho para trás, não sou esse amontoado de palavras soltas que me percorre e me atinge, que me toca e me mata.
Estou cego. Serás que não vês? A raiva cegou-me os olhos, amarrou-me as mãos atrás das costas e deixou apenas o silêncio dos dias frios.
Depois, segredou-te ao ouvido que viesses à minha procura, que viesses atrás de mim como as mães correm atrás dos filhos no parque.
Hoje, chamas-me e nada sou, porque a tua voz é a raiva que tenho no peito, o punho cerrado dentro do coração, a lágrima perdida no labirinto do sentir.
A tua voz cada vez mais forte,
- Rodrigo, Rodrigo,
E eu quase a ceder, quase a parar, quase a admitir que sou eu, mesmo que queira fugir e dizer que não sei, eu quase a ceder…quase.
Oxalá pudesse perguntar-te por onde andaste todo este tempo, que caminhos percorreste, que vidas viveste, que amores acolheste no teu seio. Mas, a estrada é longa e espera por mim, as mochilas repletas de sonhos são pesadas e empurram-me para o mais fundo da terra.
Não me peças que te espere. Cala essas palavras de desespero que não são mais que réstias de compaixão, tal como migalhas que marcam o caminho de regresso.
Diz o meu nome ao silêncio. Apenas ele te responderá, apenas ele saberá de onde venho e para onde vou. Porque o silêncio é o que sou e o que sinto.
Isa Mestre
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