quinta-feira, junho 10, 2010

Saber que voltas

Nada me entretém. Quis distrair-me de ti e acabei por distrair-me de mim.
Telefonaste e não atendi. Partira. Para qualquer um outro lugar. Não perguntaste se voltava. Não interessa.
E eu estava mesmo ali. Mas apesar de tudo partira. O meu lado B, a minha cassete estragada, aquilo a que odiosamente chamavas o meu outro eu.
Ser capaz de partir é maior e mais forte do que ter vontade de voltar. Mas tu não entendes. Ainda não podes entender.
Quero-te bem. E por isso não te ralho. Seria incapaz de ralhar-te.
Não sei ainda se posso duvidar da certeza, se posso adormecer sóbrio e confiante nos lençóis da tua ausência. Não sei.
Ligo a televisão. Quero distrair-me com qualquer porcaria que me atirem para os olhos. Por momentos peço ao ecrã que me cegue, que me cegue para não mais poder ver o vazio, que me cegue para não mais saber dessa cama vazia, dessa poltrona desocupada, desse candeeiro desligado. Cega-me. Cega-me de uma vez para que a luz da tua ausência não volte a ferir-me os olhos.
E se puderes telefona. Quero perguntar-te se voltas.

Isa Mestre

Angústia

Tudo me lembra de ti. É nesse momento que tenho a absoluta certeza que querer esquecer é a maior garantia de recordar. Recordar para sempre. E eu que queria adormecer por uns tempos, de repente, aqui, perdida, inerte, novamente imbuída em pensamentos. Tão inútil como todos nós.
E as minhas mãos, meu amor, são apenas as minhas mãos. Não servem para salvar vidas nem para acolher esperanças. As minhas mãos, meu amor, às vezes são apenas dois becos rumo ao medo, de encontro à solidão.
Mas tu nunca me perguntas se tenho medo.
E eu tenho. Tenho tantas vezes.
Olhas-me apenas. Queres dizer-me que posso chorar, que não devo envergonhar-me. Mas não dizes. Não dizes nada.
Sentas-te e colocas as mãos sobre a face. Choras.
Pergunto-te se podemos chorar os dois.
Acenas afirmativamente e em segundos lá estamos os dois abraçados no nada.

Isa Mestre

terça-feira, junho 08, 2010

ouve-me

[ao único que pode realmente ouvir-me]

Sei que estás aí. Não me deixes fugir. Quero acreditar que te posso ainda segurar a mão. Quero acreditar que o medo que agora sinto dentro do peito seja extinto por qualquer um abraço apertado no calor da noite, por um beijo quente enquanto durmo, por uma palavra sussurrada ao ouvido. Sei que estás aí. Não me deixes acreditar que estou sozinha.
Estou assustada. Cuida de mim. Fá-lo para que possa cuidar daqueles que mais amo.
Falo-te. Mas a tua voz quase sempre inaudível traz o medo de que a distância seja demasiado grande, de que a vida seja apenas um cruzamento de sentimentos e eu não saiba realmente estar em nenhum lugar.
Sei que estás aí. Mas perdoa-me, é maior o medo. É maior o amor, que afinal é a única coisa que nos faz ter medo.
Ouve-me. Não me deixes fugir. Não me deixes acreditar-me sozinha. Quero estar contigo.
Ou melhor, preciso que estejas comigo.
Perdoa-me o egoísmo das minhas palavras, mas preciso de ti.
Preciso que olhes por ele, que olhes por nós.

domingo, junho 06, 2010

Minuto Final

Às vezes quando te olho estou apenas perdida. Perdida de mim, perdida de tudo aquilo em que acreditei durante anos, perdida do dia em que jurei amar-te, perdida do momento em que o teu corpo se encostou ao meu. Perdida de ti, também.
Às vezes quando te olho não caminhamos pela mesma estrada, vamos lado a lado, mas cada um cuida de si, sem olhar para trás, sem nunca dizer adeus.
Sabemos quando será o fim, mas não nos despedimos. Continuo refém dos teus passos, da tua voz, do teu sorriso, refém de todas essas coisas que podem aprisionar-nos mesmo sem usar algemas.
E sigo em frente. Como me ensinaste.
Os corpos acumulam-se, os corpos cansam-se, os corpos deitam-se e levantam-se, os corpos sabem a medo e solidão. E nós não sabemos a nada. Perseguimo-nos um ao outro, numa dança de amor e incerteza.
Tu dizes,
- Amanhã chegará o dia.
E eu acredito que em algum momento ele possa chegar.
Não te pergunto para onde vamos. Vamos sempre para lá do que planeámos. E eu que quis amar-te sempre até ao fim vou cada dia mais longe, mais longe, mais longe.
Não sei ainda se podemos querer ser mais, se podemos sonhar ser mais, sei apenas que o amor nos torna maiores. Que o amor nos torna cada vez maiores. Entendo isso no momento em que a tua mão pálida e trémula abandona a vida. A vida que é sempre nossa e mesmo quando morremos nunca deixa de nos pertencer.

domingo, abril 25, 2010

Apresentação de Voz Perdida 3


Parte do público que acompanhou o momento do "nascimento" do meu livro. Obrigada a todos pela presença e pela amizade com que me presentearam neste dia.

Apresentação de Voz Perdida 2

Um muito obrigada à Dra. Dina, Presidente do Elos Clube de Faro e à Dra.Salomé, directora da Biblioteca Municipal de Faro que acolheram de braços abertos a minha Voz Perdida.

Apresentação de Voz Perdida


Algumas fotografias de um dia bastante especial para mim: o dia da apresentação de Voz Perdida, a minha obra de estreia. Obrigada a todos os que estiveram presentes e que, de alguma forma, são aquilo que sou. Na vida e no papel.


terça-feira, março 30, 2010

Voz Perdida na Revista Sábado


O livro Voz Perdida, de Isa Mestre, foi noticiado na Revista Sábado com uma pré-publicação do primeiro capítulo.

Veja em : http://www.sabado.pt/Multimedia/FOTOS/-span--b-Artes-b---span-/Pre-publicacao--Voz-Perdida.aspx

quinta-feira, março 25, 2010

Apresentação de Voz Perdida, de Isa Mestre


A apresentação oficial de Voz Perdida, de Isa Mestre, será no próximo dia 10 de Abril, pelas 16 horas, na Biblioteca Municipal de Faro. A tarde contará com a apresentação da obra e a leitura de alguns excertos. Será uma tarde de palavras, muitas palavras. Fica o convite a todos para que apareçam e façam parte deste momento.

segunda-feira, março 22, 2010

Sem medo

A poesia são os teus olhos quando me olhas e não sei como escrever-te.
A poesia está longe de ser tudo aquilo que um dia quiseste que fosse. A poesia não sou eu nem as minhas palavras. A poesia é simplesmente a poesia.
Cada momento. Sim, talvez a poesia seja cada momento.
Como este em que os meus dedos voltam a tocar novamente o papel. Três meses depois. Não há rasto de saudade. Apenas uma dor. Uma ligeira frustração. O medo. Sim, também o medo.
Desculpa se já não sei como agradar-te. Desculpa se a brevidade do papel me retirou sinceridade nos gestos.
Queria abraçar-te. Não sei como fazê-lo. Agarrar-te? Dizer-te que te adoro? Poderia fazê-lo ignorando que vivemos todos na poeira do ridículo, na distância ínfima que vai do meu coração ao teu.
Queria pedir-te que viesses. Que viesses sem porquês, sem respostas pensadas, sem sorrisos ensaiados. Apenas tu.
Nua. Despida de palavras sem sentido. Como as árvores no Outono.
Como gosto de ver-te.
Pediste-me que esquecesse as palavras cruéis, que agora , que estou a morrer, me lembrasse apenas das coisas boas.
Pudesse eu dizer-te como nos tornamos tristes na hora da partida, como perdemos capacidade de recordar, como nos tornamos máquinas autodiegéticas com um só rumo, uma só canção.
Cantas para mim? Cantas quando as luzes se apagarem e o medo me habitar o peito?
Cantas quando as enfermeiras cansadas do meu corpo chamarem a morte para me vir buscar?
Cantas. Eu sei que cantas. Cantas baixinho no meu ouvido. E nesses momentos, a tua voz é a minha poesia. Todos os versos que nunca escrevi. Todos os momentos que nunca vivi. Todas as tristezas que sendo minhas nunca deixaram de te pertencer.
Todos os medos e todas as mágoas.
Mas eu vou, se cantares para mim eu vou sozinho. E sabes que mais? Até vou sem medo.

Entrevista à Antena 1

quinta-feira, março 04, 2010

Entrevista à Antena 1 , dia 15 de Março


Estarei no próximo dia 15 de Março, na Antena 1, no programa "Portugal em Directo" para falar do meu livro Voz Perdida.



quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Lançamento do livro Voz Perdida, de Isa Mestre


Acabo de lançar, com a chancela do Sítio do Livro, a obra Voz Perdida. Voz Perdida trata-se de um conjunto de micro-narrativas romanceadas, em prosa, ao estilo do que tenho produzido até aqui nas minhas participações no blogue e no grupo literário Texto-Al.
O livro encontra-se disponível para venda através do site : http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/voz-perdida/9789899663206 ou contactando-me pelo email ou telefone.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Trinta do Seis

Tenho saudades tuas.
As frases de três palavras são quase sempre as mais difíceis de dizer. Como se ficassem presas na garganta, como se o coração, de repente, fosse apenas uma rua. Não uma estrada, como tantas vezes pensáramos. Uma rua. Sim. Uma rua.
Uma rua onde nem sempre cabem todas as tuas dúvidas somadas aos meus medos, divididas pelas nossas ansiedades, elevadas à nossa hipocrisia ao quadrado.
Não me recordo da tua voz. É talvez o que mais me dói.
Lembro o teu beijo, o teu cheiro, os teus braços fortes a acolher-me os medos, a acalmar-me as ansiedades. Mas a tua voz…a tua voz não. E depois o medo. A recordação. Sim, é exactamente isso. A recordação. Aquela noite repetida na minha memória, aquela noite tantas e tantas vezes. A camisola vermelha, as mãos trémulas e a minha boca a querer dizer-te,
- Adoro-te,
E o coração a chamar-me ridícula. O coração de uma rua. O coração, esse bicho de um só sentido.
Depois, o corpo assustado, hesitante, o olhar nervoso. As mãos a dizer,
- fica.
E tu a partir. Tu a partir sem que me deixasses sequer dizer-te adeus.
As minhas mãos,
fica,
E tu a deixares-te ir pouco a pouco, a levares um pouco de mim. Minto. A levares tudo de mim.
E o médico,
- Fizemos tudo o que podíamos.
E eu a saber que nós nunca podemos nada. Que nós nunca somos nada.
Eu a saber que as palavras são apenas palavras. E que as que não te disse são exactamente iguais aquelas que todos deixamos por dizer.
E o meu olhar, e o meu medo. E todas as coisas que sendo minhas, naquele dia deixaram de me pertencer.
E a tua voz já perdida no tempo,
- a miúda tem jeito para a coisa.
E é por ti. É por ti que estou aqui. É por ti que nasço e morro todos os dias na folha de papel. É por ti que escrevo e são para ti todas as palavras que um dia nunca soube ou pude dizer-te. É para ti o que ainda resta depois da partida.

Isa Mestre

quinta-feira, setembro 17, 2009

Demanda

Usaste poucas palavras. Ensinaste-me desde sempre que não precisamos utilizar muitas se o fizermos com o coração, se o fizermos como se nos amássemos em cada letra, como se nos abraçássemos em cada verbo.
- sou a mulher mais triste do mundo,
Disseste.
Sem deter-me nos pormenores, sorri ao papel que se estendia diante dos meus olhos. Confesso que, de certa forma sempre me fascinou essa tua atracção pelo dramatismo, esse misto de ligeireza e leviandade.
Gostava de poder-te tê-lo dito um dia. Um dia em que os corações se calassem para ouvir apenas a voz que, de quando em vez, ecoa no seu interior, que, de quando em vez, se une na batida descompassada de um amor a quem nunca poderão ser impostos limites.
- sou o homem mais triste do mundo,
(Acredito que a fragilidade é, de certa forma, contagiosa.)
Continuo a escrever-te. Nada me pode deter. Prometi dizer-te tudo apenas numa carta, prometi poupar-te à tristeza das minhas metáforas e à inabilidade dos meus oximoros.
Afinal tu bem sabes, não há nada mais aborrecido do que casar com um escritor.
Pediste-me para ficar só. Sorri-te. Afinal, o que é o amor senão solidão?
Não tenhas medo. Não te pedirei para ficar. Não há cartões de embarque com passaportes caducados.
Nunca poderás perdoar-me, eu sei. Nunca poderás entender que é na dor que encontramos o mais perfeito miradouro para o coração, o mais completo caminho rumo ao sentimento.
Disseste,
- sou a mulher mais triste do mundo,
Não tenho coragem de ler o final da frase. Dói-me a inevitabilidade do verbo que se segue.
Talvez tenhas razão, talvez eu seja apenas mais um daqueles a quem falta arte e sobeja hipocrisia.

Isa Mestre

domingo, agosto 16, 2009

Talvez

Disse,
- Posso ainda fazer-te feliz. E as palavras a soarem tão sinceras, tão breves, por momentos tão melódicas quanto verdadeiras. Depois, o teu olhar, o teu sorriso, depois todas as coisas às quais nunca saberei ao certo que nome dar.
Ela pergunta-me se esqueci.
Como poderia esquecer?,
Apetece-me dizer-lhe.
Fico em silêncio. Estou demasiado habituada a ele. Somos dois desconhecidos a habitar o mesmo espaço, os mesmos sete palmos de terra que por vezes se assemelham a uma mão repleta de solidão a querem abraçar-nos com fulgor, pedindo-nos que fiquemos, que fiquemos para sempre.
Ela olha-me, eu devolvo-lhe o olhar. Há meses que assim é. Há meses que luta por uma palavra, por uma frase, por um latido que denuncie a minha dor. Preocupa-se comigo. Consigo sabê-lo, consigo senti-lo. De certa forma, creio que a única razão que a traz aqui é tentar perceber se ainda estou viva.
Que poderia dizer-lhe? Que saberia eu dizer-lhe quando inúmeras vezes sei tão pouco.
Talvez um dia lhe conte a nossa história. Talvez um dia lhe conte do dia em que te disse com olhos brilhantes e voz serena,
- Posso ainda fazer-te feliz,
Talvez lhe conte do dia em que partiste. Talvez lhe conte do dia em que nunca mais pudeste voltar. Talvez doa. Talvez magoe. Talvez.
Por momentos sou ainda a menina de olhar doce e palavras embaladas pelo vento,
-Posso ainda fazer-te feliz.
Por momentos és ainda a única pessoa que soube e pude amar,
- Sabes que fujo da felicidade a sete pés.
Tinhas razão. Fugiste mais rápido que o próprio tempo, mas esqueceste-te que depois da morte apenas o amor pode curar os corações partidos.

Isa Mestre

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Segredo

Escrever-te o sorriso, olhar-te por dentro, amar-te sem me envolver, sem me deixar tocar pela doçura das palavras ditas, dos gestos continuamente repetidos na minha memória.
Olhei-te durante anos e desejei apenas o parágrafo mais sincero, o mais puro, aquele em que a tua beleza pudesse ofuscar unicamente os olhos de quem me lê, de quem me acredita apaixonado, e se apaixona tantas vezes pelos meus amores.
Perguntas-me se te amo, faço uma pausa, a dureza das palavras pode ferir-te, a crueldade da verdade impedir-me-á de voltar a ver-te sorrir.
- Amo-te como nunca ninguém te amou.
Não te minto. Estou certo de dizer-te toda a verdade. Amo-te como nenhum outro homem pode amar-te, porque te amo o sorriso e não a tua forma de sorrir, porque te amo as palavras e não tudo aquilo que dizes com elas, porque te amo a naturalidade e não a sensatez.
E enquanto os outros te olham com as mãos repletas de prazer e desejo, eu olho-te e amo-te com as palavras que escrevo, com os adjectivos sempre ridículos e incapazes de classificar-te, de dizer-te que és a mulher mais bela do mundo.
Chegará o dia em que ousarás estar cansada de mim e dos meus papéis, de mim e do meu olhar constante, da ânsia de quem quer ver tudo sem ver, na verdade, absolutamente nada.
O editor pede-me mais, desconfio que gosta da mulher que há em ti, da essência que se esconde por detrás do rosto sério e do olhar expressivo. Conhece-te sem nunca te ter conhecido. Apaixonou-se por ti mais do que pelas minhas palavras.
Escrever-te-ia uma carta de amor, se não se achasse ridículo, se não se olhasse ao espelho todos os dias sentindo-se miserável por amar-te sem saber que te ama, por pensar na mulher que lê nos meus livros, na mulher que ele crê que não existe e está cada vez mais próxima de si.
Revelar-te ao mundo seria acreditar que os homens alguns dia poderão olhar-te por dentro.
Por isso, serás sempre o meu segredo.

Isa Mestre

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Submissos

Telefonaste.
Quase me apeteceu atender e dizer-te que não estava, dizer-te que, afinal, ao contrário daquilo que sempre imaginaste podemos adiar o coração, podemos adiar as palavras difíceis para dias mais fáceis e as horas tristes para minutos um pouco mais felizes.
O som do telefone a ecoar pela casa, enquanto as minhas mãos apenas de encontro às almofadas (pudesse eu camuflar a minha vontade de viver, como camuflo a cabeça, para não mais ouvir-te chamar por mim).
Mais tarde deixarias mensagem.
Talvez tivesses chorado, havia na tua voz a ternura dos miúdos depois das birras de supermercado, a lágrima seca no canto do olho que já não posso ver, os sons trémulos a formar palavras que a minha alma talvez nunca mais consiga entender.
Desisti de te ouvir, e quando desistimos é como se fossemos apenas uma bicicleta a pedalar numa estrada molhada, uma bicicleta escorregadia que acaba sempre por atirar-nos contra o solo.
Caio uma vez mais. Há uma voz que insiste para com os meus dedos, uma voz que me diz que não os mova, que permaneça apenas quieta e calada ouvindo-te, ouvindo-me, ouvindo-nos.
Hoje, talvez cada palavra tua, seja apenas uma letra da história que tantas vezes escrevemos juntos.
Esperas uma voz.
Do outro lado: silêncio. Do outro lado uma mulher que se olha ao espelho e não se reconhece: eu. Do outro lado, uma voz, incapaz de falar-te da ausência. Do outro lado, uns olhos perdidos na imensidão do Universo.
Oiço-te chamar o meu nome, como se toda a tua voz grave e séria ainda ecoasse nas paredes desta casa onde construo o tempo em barquinhos de papel.
Calo-me.
(será que mesmo assim me ouves respirar?)
Não podes suspeitar que ainda existo, não podes saber que o meu coração ainda chama por ti nas noites frias em que a alma procura abrigo nos braços do amor.
Afinal, éramos nós que jurávamos nunca vir a saber o que é amar, nunca vir a sentir esse sentimento que diziam – queimava o coração.
Talvez fosse verdade. Queima por dentro. Como um incêndio no interior de cada um de nós, como uma chama, que por mais água que se lhe deite, se revela impossível de extinguir.
Como um cigarro apagado, que morre lentamente nos confins de um cinzeiro.
Assim é o nosso amor. Mesmo quando telefonas e finjo não saber quem és.

Isa Mestre

Confissão

Gosto de ti três vezes por semana. Quando estás em silêncio, quando visitas o teu filho e quando me dizes boa noite.
Casámos há três anos, e em trezentos e sessenta e cinco dias de medo a multiplicar por três dígitos de solidão, ainda não descobri com que código encontrar o caminho do teu coração.
Deambulas pela casa, falas muito e nunca sabes que dizer, trazes nas mãos a doçura de uns lábios doces que ainda não aprendi ao certo como beijar.
Saio cedo e chego tarde. Encontro-te muitas vezes a dormir, como se o sono, por instantes, fosse o remédio para a dor e para o medo, o antídoto para as horas de solidão em que o meu corpo se encontra demasiado distante do teu.
Escrevi para dizer-te uma frase, uma frase apenas:
Ontem fui à igreja.
Disseste que me faria bem, disseste que me ajudaria a esquecer.
Não me recordo de todas as tuas palavras, como disse, falas de mais e eu, por vezes, escuto pouco.
Recordo-me apenas da tua expressão, das maçãs do teu rosto, do carinho do teu olhar.
Pediste-me que fosse.
- Precisas perdoar-te,
Disseste.
Como poderei perdoar-me se nunca saberei perdoar? Como poderei olhar-te, se nunca deixei que me olhasses? Como poderei esquecer-me se é o esquecimento que me mata por dentro?
Sentei-me. Ele olhou-me sem saber que eu nunca poderia olhá-lo. Disse-me:
- Que te traz por cá?
E eu, como no psicólogo, a fingir, sempre a fingir.
Ele sorri. Não tem medo da verdade. Encontra-a vezes demais.
Num instante, diz-me:
- Há quanto tempo o fizeste?
-3 meses , respondo eu.
Entendo agora que o melhor é começar pelo fim, ajuda-nos a ganhar coragem.
- Arrependes-te? - pronuncia na sua voz rouca e austera.
- Não. Por isso nunca saberei como perdoar-me - respondo-lhe.
Ele escuta o silêncio, entende que se trata de amor, apenas o amor pode falar assim, sem sentido, sem razão, e no entanto, tão profundamente carregado de mágoa.
Diz-me minutos depois uma frase que dificilmente esquecerei,
- O amor perdoa. O amor perdoa sempre.

Isa Mestre

sábado, dezembro 13, 2008

Decreto

A verdade é que não sei como amar-te.
Passaram vinte e dois anos e continuo sem saber. Recordo com saudade os dias em que o meu corpo bailou sobre o teu numa dança que nos fez acreditar tantas vezes que a valsa do amor é a balada perfeita para uma canção desesperada.
No dia em que nos conhecemos não chovia, mas confesso que nem tu pudeste trazer algum sol à minha vida. Eras daquelas adolescentes rebeldes e respingonas que nunca calam os seus ideais para ouvir os dos outros.
Talvez por isso ainda não saiba como amar-te. Talvez por nunca teres calado o teu coração para poder ouvir o meu. Mas isso é outra história, algo de que te falarei mais tarde, quando a voz me fraquejar e os braços chamarem por ti.
Hoje, estou aqui para falar-te de amor, mais concretamente de um amor, um amor vadio e desconhecido que atravessou todas as fronteiras e terminou sem passaporte para a felicidade.
Agarrei o teu caso numa manhã fria de Dezembro em que os meus olhos se fixaram nos teus para não mais conseguir olhar ninguém no mundo.
Decreto nº1 – Amar-te acima de todas as coisas – dizia a lei que trazias no olhar, a determinação da tua voz, a firmeza dos passos rebeldes a fazer-se à estrada agreste da vida.
Não sei se o consegui cumprir até hoje. Apercebo-me que amar alguém acima de todas as coisas é uma tarefa quase impossível. Implicaria amar-te mais que a mim mesmo. Será que alguém pode amar mais do que a si mesmo?
Não sei. Talvez nunca possa saber.
Decreto nº2 – Conhecer-te durante dois anos e viver um ano mais para me arrepender.
Tu sabes e eu sei, o amor é uma história bonita, mas nem sempre a vírgula pode substituir o ponto final, nem sempre a estrada é longa e o caminho se revela risonho. Por isso quiseste dar-me um ano. Não para me arrepender. Seria impossível, mas para aprender a amar-te 365 dias melhor que os anteriores.
Decreto nº 3- Olhar-te até seres completa.
Preencher-me e preencher-te, arrumar-te no meu coração e arranjar um espacinho para mim dentro do teu.
Para que serve o amor?
Para nos vermos. Para nos vermos sempre.

Isa Mestre