sábado, dezembro 13, 2008

Decreto

A verdade é que não sei como amar-te.
Passaram vinte e dois anos e continuo sem saber. Recordo com saudade os dias em que o meu corpo bailou sobre o teu numa dança que nos fez acreditar tantas vezes que a valsa do amor é a balada perfeita para uma canção desesperada.
No dia em que nos conhecemos não chovia, mas confesso que nem tu pudeste trazer algum sol à minha vida. Eras daquelas adolescentes rebeldes e respingonas que nunca calam os seus ideais para ouvir os dos outros.
Talvez por isso ainda não saiba como amar-te. Talvez por nunca teres calado o teu coração para poder ouvir o meu. Mas isso é outra história, algo de que te falarei mais tarde, quando a voz me fraquejar e os braços chamarem por ti.
Hoje, estou aqui para falar-te de amor, mais concretamente de um amor, um amor vadio e desconhecido que atravessou todas as fronteiras e terminou sem passaporte para a felicidade.
Agarrei o teu caso numa manhã fria de Dezembro em que os meus olhos se fixaram nos teus para não mais conseguir olhar ninguém no mundo.
Decreto nº1 – Amar-te acima de todas as coisas – dizia a lei que trazias no olhar, a determinação da tua voz, a firmeza dos passos rebeldes a fazer-se à estrada agreste da vida.
Não sei se o consegui cumprir até hoje. Apercebo-me que amar alguém acima de todas as coisas é uma tarefa quase impossível. Implicaria amar-te mais que a mim mesmo. Será que alguém pode amar mais do que a si mesmo?
Não sei. Talvez nunca possa saber.
Decreto nº2 – Conhecer-te durante dois anos e viver um ano mais para me arrepender.
Tu sabes e eu sei, o amor é uma história bonita, mas nem sempre a vírgula pode substituir o ponto final, nem sempre a estrada é longa e o caminho se revela risonho. Por isso quiseste dar-me um ano. Não para me arrepender. Seria impossível, mas para aprender a amar-te 365 dias melhor que os anteriores.
Decreto nº 3- Olhar-te até seres completa.
Preencher-me e preencher-te, arrumar-te no meu coração e arranjar um espacinho para mim dentro do teu.
Para que serve o amor?
Para nos vermos. Para nos vermos sempre.

Isa Mestre

quarta-feira, agosto 27, 2008

O Fim

Há muito que se esgotaram as palavras. Magoaste. Magoei. Magoámos. Conjugámos os verbos que ferem em todos os tempos e hoje, neste presente que quer sempre ser futuro, somos olhares perdidos, corações abandonados, gestos arrependidos e tristes, mãos frias e rugosas, olhos lacrimejantes e saudosos.
Não me apetece falar. Porque a verdade dói, porque o arrependimento mata mais que a dor, porque ao olhar-te é como se me visse ao espelho e não há nada pior que o reflexo de quem amamos, quando temos a absoluta certeza de só nos amarmos a nós próprios.
Sei que não devia dizê-lo, sei que parece rude, sei que pode ser cruel, mas não te amo, não consigo amar mais ninguém a não ser aquilo que sou.
Gosto demasiado de mim, para poder gostar um pouco de ti.
Sou incapaz de olhar-te. Os teus olhos assustam-me, a tua voz faz-me tremer, o teu sorriso estremece-me a alma. És demasiado de mim e isso mata-me, isso faz-me pensar que te dei aquilo que sou, que deixei de ser um pouco desta pele que visto todos os dias para te emprestar um sorriso, para te oferecer uma lágrima envolta no embrulho cruel do egoísmo.
Sou uma mentira. Quando sorrio sou uma mentira, sou um aglomerado de palavras nas quais não podes acreditar, sou uma ilusão triste, sou um sonho perdido. Dir-te-ia que me esquecesses, se eu própria acreditasse que algum dia posso esquecer-me.
Não tenho já nada para te dar. Podes ir, levaste tudo e deixaste-me nua numa cama de solidão, num lençol de ternura a disfarçar-se de raiva, numa amálgama de palavras duras a sorrir-me timidamente como que dizendo-me que são estas as maiores palavras de amor que alguma vez escutei.
Não tenho medo. Sei que amanhã estarás longe, sei que há distâncias que são maiores do que aquela que vai do meu coração ao teu.
Prefiro não pensar mais. Talvez não te ame assim tão pouco.

Isa Mestre

sábado, maio 03, 2008

Porque vieste

Obrigado por seres tu, nesse gesto tão simples, nesse sorriso tão teu, nos olhos que quando vagueiam perdidos pelo espaço se encontram no abraço de cada coração.
Saber que estás aí é um instante e um sorriso, um beijo deixado nas asas do tempo com destinatário prévio, com aviso de chegada, quando a ternura dos meus olhos ameaça saltar para o mundo cá fora.
Sorris-me nervosamente. Nunca sabemos como dizer,
- Gosto de ti,
Sobretudo, nunca sabemos como dizê-lo sem necessitar de usar palavras.
Estás aqui. Permanece calado. Já disseste tudo. Estás aqui, lembras-te? Os outros foram embora, encontraram pretextos para preencher o vazio que se interpôs entre nós, encontraram razões para dizer-me quando chegar o fim. Mas tu ficaste. Não porque não tenhas medo de ver-me morrer, não porque não sejas tão cobarde quanto eles, não porque não te apeteça chorar, quando acorrentas as lágrimas nos olhos como se pudesses impedir-me de sentir a tristeza a esvaziar-te todos os poros da alma. Ficaste porque gostas de mim, porque gostas do momento em que te sorrio e fingimos esquecer que tudo o resto existe, esquecer que não podemos apagar a vida, como apagámos em tempos as palavras nos cadernos esborratados pela caneta do destino.
Às vezes apetecia-me esquecer-me de tudo, incluindo de ti. Matar-me. Matar-te. Matar-vos a todos para que não sofrêssemos tanto quando chegar o fim.
Não finjas, tu também sabes que ele chegará. Chega para todos. Chega um dia. Chega, e a verdade é que tu nunca poderás saber quando nem porquê.
Senta-te. Quem sabe se amanhã virás? Quem sabe se o camião amanhã não se desvia enquanto o teu pé no acelerador pensa em mim, enquanto as tuas lágrimas nos olhos te impedem de ver a dimensão da estrada?
Senta-te.
Hoje podes ficar.
Não te farei perguntas. Acho que te agradeço sem usar palavras, se também não as fizeres.
Senta-te apenas. Deixa o meu coração e o teu dialogarem nessas vozes surdas que são o meu olhar e o teu quando as palavras se tornam ridículas, que são a tua mão sobre a minha quando estendo os dedos e acredito que já todos desistiram de agarrá-los, que são as minhas lágrimas quando o teu gesto breve me limpa a amargura do rosto.
Dura pouco a hora da visita.
- È um instante,
Dizes tu.
Tens razão,
- Um instante,
Como eu e tu. Aqui. Agora. Um instante.
Quantos instantes daria para ter-te para sempre junto de mim?
Sorris. Sorrio-te também.
Se morrer amanhã, ao menos soubeste hoje que os teus olhos me fazem sorrir.

Isa Mestre

domingo, março 30, 2008

Dentro de mim

- Morri dentro de ti,
Dizes-me.
Faço silêncio. Não quero acreditar que existem espaços mortos neste coração repleto de sentimentos, nestas mãos que querem tocar-te sem saber como, nestes lábios que são teus em todos os minutos que nos percorrem as veias.
O teu olhar perde-se no infinito, devoras cigarros como quem devora mundos, em busca da resposta mais adequada. Estou aqui. Senta-te. Ousa perguntar.
Estou aqui.
Responder-te-ei.
Trazes no rosto a gélida expressão da incerteza de um amor há muito vencido, nos olhos a pergunta a balançar de uma retina para a outra, sem saber como fixar-se em mim, sem saber como usar as palavras, sem saber como dizer-me que tens a certeza que morreste dentro de mim.
Apetece-me brincar com o teu sorriso, como no tempo em que te fazia cócegas no coração e acreditava poder fazer-te sorrir para sempre.
Nada do que é verdadeiramente sincero pode morrer.
Escuta.
Ainda vives dentro de mim, ainda és o rosto risonho e o beijo no canto da boca.
Anda. Sorri.
Não pode ter passado tanto tempo. Não pode ter mudado tanta coisa. Não podes ter morto o amor com a banalidade de quem mata um insecto.
Não queres ouvir-me. Lanças frases como quem lança espadas afiadas com destino ao coração. Depois, apenas o silêncio. Esperas a negação das afirmações cruéis, esperas o beijo nos lábios do tempo, o beijo que, no mais profundo de mim, é o nosso amor a querer sorrir-te, o nosso amor a querer saltar-me dos olhos e colar-se nos teus lábios.
Poderia dizer-te o quanto te amo, mas tudo não passariam de palavras. Palavras esquecidas no amanhã, quebradas nas lágrimas que chorámos, perdidas no entrelaçar suave dos nossos dedos, brincando habilmente com a chuva.
Sabes… não direi que te amo.
Talvez nunca mais volte a fazê-lo.
Porque a melhor palavra é aquela que baila nos meus olhos quando dizes que morri dentro de ti, aquela que sorri quando a alma ameaça chorar, aquela que me abraça quando tudo o resto está prestes a ruir.
A palavra escondida por detrás do amor. A palavra que só tu e eu sabemos. Só tu e eu poderíamos saber.

Isa Mestre

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Habitante de mim

Escrever-te-ia uma canção, se os meus dedos fossem suaves, como os teus quando me tocas os lábios e ameaças deixar-me a alma vazia de todas as palavras que me habitam.
Ensinar-te-ia as mais belas palavras de amor se nunca tivesse aprendido a ler nem escrever, pois palavras de amor, só as há na boca de quem viveu a vida pelas mãos calejadas do frio e do vento.
Não passo de um pobre coitado.
Agora, quando me olhas, não vês absolutamente nada. Amanhã, será exactamente igual. Amanhã eu continuarei a ser o miserável que arruma a dor em palavras, que constrói frases demasiado longas para que possa permitir-te colocar um ponto final na angústia de cada momento.
Sabes…se a minha vida fosse um texto, seria um texto corrido, puro, sincero e feroz, um texto sem vírgulas, sem parágrafos, sem pontos finais. Um texto como um diamante em bruto, saído do interior da terra. Um texto virgem.
Um texto que fosse as minhas mãos e as tuas quando nos beijamos, que fosse o nosso olhar quando nos estendemos sobre o tapete da vida e contamos as estrelas do céu.
Mas, a verdade é que não passo de um pobre coitado.
Olho-me. Tenho as mãos calejadas pela caneta (ou será da vida?), olhar vazio, pernas longas (porém incapazes de passos compridos como outrora), e no mais profundo de mim: o coração.
O coração que chora quando escreve e escreve quando chora.
Não sou aquilo que escrevo nem escrevo aquilo que sou. Conheces-me e sabes que os meus dedos procurar-te-iam se não me falasses aqui de dentro, deste mundo onde te vejo e não te posso tocar, onde te amo sem saber se existe a palavra amor.

Isa Mestre

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Papéis

Há dias em que o coração chama por ti. Dias em que espalho os meus papéis pela casa na esperança de que venhas pisá-los, de que venhas olhar-me nos olhos e dizer-me que o que escrevo não presta, que devia dedicar-me a qualquer outra coisa.
Há dias em que parece que ainda ouço a tua voz ao fundo do corredor, a tua chave a entrar na fechadura, a tua gargalhada profunda num gesto grave e ao mesmo tempo risonho.
Dias em que não espero por mais nada nem ninguém.
Apenas tu. Na ilusão de que a caneta venha novamente riscar-me as folhas de papel.
Não sei se tenho ainda coração, ou palavras rasgadas, feridas profundas que escrevem o teu nome a sangue.
Há dias em que gostava de acreditar que não quiseste partir.
Há dias em que me apetece dizer-te que não me impeças de sonhar com o momento em que voltarás a pisar os palcos da minha vida.
Permaneço calada.
Enquanto ela me diz que te viu com outra, permaneço calada.
Idiotice. Como poderias ter-me esquecido? Como poderias não lembrar as noites passadas entre beijos e fantasia, entre “amo-tes” sussurrados aos ouvidos do mundo e palavras breves a brotar-nos do peito?
A voz assegura-me que eras tu: o mesmo jeito, o mesmo olhar… ,
E eu a pensar nos dias em que preferia que o mundo estivesse calado apenas para te ouvir, a pensar nas horas que queria transformar em milésimos de segundos, a pensar nas palavras que queria apagar da memória com a borracha da vida.
A voz a martelar-me cá dentro.
Ele. Ela. Eles.
E nós? Para onde foi aquele que me abraçava e me fazia acreditar a mulher mais feliz do mundo? Para onde foi o vagabundo que me roubou o coração e fugiu pela noite fora?
Para onde fomos nós, quando os nossos lábios se tocavam e os dedos julgavam tocar o céu da felicidade?
Talvez tenhamos desaparecido numa noite tão fria quanto aquela em que nos conhecemos.
Talvez tenhas voltado a ser apenas o menino perdido na estrada da vida, talvez eu não saiba mais como encontrar-te nos caminhos que um dia me guiaram aos teus braços.
Há dias em que continuo a acreditar que os teus passos regressaram ao trilho imperfeito dos nossos corações.

Isa Mestre