quarta-feira, janeiro 21, 2009

Submissos

Telefonaste.
Quase me apeteceu atender e dizer-te que não estava, dizer-te que, afinal, ao contrário daquilo que sempre imaginaste podemos adiar o coração, podemos adiar as palavras difíceis para dias mais fáceis e as horas tristes para minutos um pouco mais felizes.
O som do telefone a ecoar pela casa, enquanto as minhas mãos apenas de encontro às almofadas (pudesse eu camuflar a minha vontade de viver, como camuflo a cabeça, para não mais ouvir-te chamar por mim).
Mais tarde deixarias mensagem.
Talvez tivesses chorado, havia na tua voz a ternura dos miúdos depois das birras de supermercado, a lágrima seca no canto do olho que já não posso ver, os sons trémulos a formar palavras que a minha alma talvez nunca mais consiga entender.
Desisti de te ouvir, e quando desistimos é como se fossemos apenas uma bicicleta a pedalar numa estrada molhada, uma bicicleta escorregadia que acaba sempre por atirar-nos contra o solo.
Caio uma vez mais. Há uma voz que insiste para com os meus dedos, uma voz que me diz que não os mova, que permaneça apenas quieta e calada ouvindo-te, ouvindo-me, ouvindo-nos.
Hoje, talvez cada palavra tua, seja apenas uma letra da história que tantas vezes escrevemos juntos.
Esperas uma voz.
Do outro lado: silêncio. Do outro lado uma mulher que se olha ao espelho e não se reconhece: eu. Do outro lado, uma voz, incapaz de falar-te da ausência. Do outro lado, uns olhos perdidos na imensidão do Universo.
Oiço-te chamar o meu nome, como se toda a tua voz grave e séria ainda ecoasse nas paredes desta casa onde construo o tempo em barquinhos de papel.
Calo-me.
(será que mesmo assim me ouves respirar?)
Não podes suspeitar que ainda existo, não podes saber que o meu coração ainda chama por ti nas noites frias em que a alma procura abrigo nos braços do amor.
Afinal, éramos nós que jurávamos nunca vir a saber o que é amar, nunca vir a sentir esse sentimento que diziam – queimava o coração.
Talvez fosse verdade. Queima por dentro. Como um incêndio no interior de cada um de nós, como uma chama, que por mais água que se lhe deite, se revela impossível de extinguir.
Como um cigarro apagado, que morre lentamente nos confins de um cinzeiro.
Assim é o nosso amor. Mesmo quando telefonas e finjo não saber quem és.

Isa Mestre

Confissão

Gosto de ti três vezes por semana. Quando estás em silêncio, quando visitas o teu filho e quando me dizes boa noite.
Casámos há três anos, e em trezentos e sessenta e cinco dias de medo a multiplicar por três dígitos de solidão, ainda não descobri com que código encontrar o caminho do teu coração.
Deambulas pela casa, falas muito e nunca sabes que dizer, trazes nas mãos a doçura de uns lábios doces que ainda não aprendi ao certo como beijar.
Saio cedo e chego tarde. Encontro-te muitas vezes a dormir, como se o sono, por instantes, fosse o remédio para a dor e para o medo, o antídoto para as horas de solidão em que o meu corpo se encontra demasiado distante do teu.
Escrevi para dizer-te uma frase, uma frase apenas:
Ontem fui à igreja.
Disseste que me faria bem, disseste que me ajudaria a esquecer.
Não me recordo de todas as tuas palavras, como disse, falas de mais e eu, por vezes, escuto pouco.
Recordo-me apenas da tua expressão, das maçãs do teu rosto, do carinho do teu olhar.
Pediste-me que fosse.
- Precisas perdoar-te,
Disseste.
Como poderei perdoar-me se nunca saberei perdoar? Como poderei olhar-te, se nunca deixei que me olhasses? Como poderei esquecer-me se é o esquecimento que me mata por dentro?
Sentei-me. Ele olhou-me sem saber que eu nunca poderia olhá-lo. Disse-me:
- Que te traz por cá?
E eu, como no psicólogo, a fingir, sempre a fingir.
Ele sorri. Não tem medo da verdade. Encontra-a vezes demais.
Num instante, diz-me:
- Há quanto tempo o fizeste?
-3 meses , respondo eu.
Entendo agora que o melhor é começar pelo fim, ajuda-nos a ganhar coragem.
- Arrependes-te? - pronuncia na sua voz rouca e austera.
- Não. Por isso nunca saberei como perdoar-me - respondo-lhe.
Ele escuta o silêncio, entende que se trata de amor, apenas o amor pode falar assim, sem sentido, sem razão, e no entanto, tão profundamente carregado de mágoa.
Diz-me minutos depois uma frase que dificilmente esquecerei,
- O amor perdoa. O amor perdoa sempre.

Isa Mestre