sábado, setembro 17, 2011

analogia do sorriso

A mulher senta-se. Não sorri. Sabe, afinal que os sorrisos atrapalham sempre um bocadinho. Apercebe-se que ninguém à sua volta sorriu. Sente-se feliz por não ter sorrido. Por momentos tem a sensação de que se sorrisse seria vista como algo ridículo. E se há coisa que tem medo é de ser vista como tal.
Sento-me também. Não na mesma mesa, mas no mesmo palco. Também eu com medo de ser visto como algo ridículo. Venho sozinho. Pergunto-me se haverá no mundo alguma fórmula capaz de anular o factor pergunta. Anular de uma vez por todas a velha que se senta diante de mim a conjecturar se sou paneleiro ou se me morreu a mulher.
Visto-me de preto. Um ponto a favor do luto. Se calhar até tem pena de mim.
Nem uma coisa nem outra. Sou alérgico à mentira. Sou alérgico, portanto, a casamentos.
Os outros menos alérgicos que eu, mais enérgicos na farsa, mais poderosos na personagem que vestem para se esquecerem de quem são. Não que eu não me esqueça também por vezes. Mas não sou tão bom actor.
A minha mãe pergunta-me,
- és feliz?
E eu penso que a felicidade é apenas a mulher que se senta sem sorrir com medo que o seu sorriso possa parecer ridículo.
É isso a felicidade. A ilusão de sermos perfeitos aos olhos dos outros.
Respondo-lhe que sim. Ainda que nunca consiga pôr os lençóis direitos quando faço a cama, ainda que me sente sozinho, ainda que me sinta pressionado pelos olhos de qualquer uma mulher a encontrar um destino. Mesmo que eu não queira tê-lo, mesmo que ele não me faça falta nenhuma.

sábado, setembro 03, 2011

persona

Ela tinha um sorriso. Não como o teu. O dela mais ficcionado, menos certo, não erraria se dissesse menos encantador. Porque com ela eu não tinha de ter medo de dizer,
-gosto de ti,
Como tenho contigo, quando fico preso ao ridículo de não saber sequer ser eu.
No papel os verbos pareceram-me fáceis, suaves, ternos, aqui menos maduros, incoerentes, apressados.
Perdemo-nos por momentos em conversas banais. Dizes qualquer coisa sobre a vida. Depois ficas em silêncio, como se todas as memórias fossem de repente um carrossel que a razão quer mas não consegue parar.
Com ela seria fácil. Bastaria mudá-la de cenário, disfarçá-la por meio de uma dúzia de frases bonitas que nos fazem esquecer quase tudo. Contigo não. A vida diferente dos livros. Sem analepses nem prolepses. Sempre no mesmo lugar, mesmo que te doa, mesmo que não saibas para onde fugir, mesmo que te sobrem sentimentos e te faltem palavras. Na vida uma coisa de cada vez.
Como naquele dia em que não soubeste como lidar com o vazio.
Uma coisa de cada vez.
O vazio é hoje o mesmo. Deixámos de nos questionar sobre isso. Julgamos conhecer-nos melhor, e quanto mais nos conhecemos menos partilhamos.
Por isso te escrevo. Para partilhar.
Ela tinha um sorriso. Não como o teu, mas feito a partir do teu. E a verdade é que quando te vejo, vejo-a também a ela, porque são a mesma, porque estão exactamente no mesmo lugar. És no fundo a realidade da minha ficção e todos os dias agradeço a Deus por isso.