quarta-feira, novembro 25, 2009

Trinta do Seis

Tenho saudades tuas.
As frases de três palavras são quase sempre as mais difíceis de dizer. Como se ficassem presas na garganta, como se o coração, de repente, fosse apenas uma rua. Não uma estrada, como tantas vezes pensáramos. Uma rua. Sim. Uma rua.
Uma rua onde nem sempre cabem todas as tuas dúvidas somadas aos meus medos, divididas pelas nossas ansiedades, elevadas à nossa hipocrisia ao quadrado.
Não me recordo da tua voz. É talvez o que mais me dói.
Lembro o teu beijo, o teu cheiro, os teus braços fortes a acolher-me os medos, a acalmar-me as ansiedades. Mas a tua voz…a tua voz não. E depois o medo. A recordação. Sim, é exactamente isso. A recordação. Aquela noite repetida na minha memória, aquela noite tantas e tantas vezes. A camisola vermelha, as mãos trémulas e a minha boca a querer dizer-te,
- Adoro-te,
E o coração a chamar-me ridícula. O coração de uma rua. O coração, esse bicho de um só sentido.
Depois, o corpo assustado, hesitante, o olhar nervoso. As mãos a dizer,
- fica.
E tu a partir. Tu a partir sem que me deixasses sequer dizer-te adeus.
As minhas mãos,
fica,
E tu a deixares-te ir pouco a pouco, a levares um pouco de mim. Minto. A levares tudo de mim.
E o médico,
- Fizemos tudo o que podíamos.
E eu a saber que nós nunca podemos nada. Que nós nunca somos nada.
Eu a saber que as palavras são apenas palavras. E que as que não te disse são exactamente iguais aquelas que todos deixamos por dizer.
E o meu olhar, e o meu medo. E todas as coisas que sendo minhas, naquele dia deixaram de me pertencer.
E a tua voz já perdida no tempo,
- a miúda tem jeito para a coisa.
E é por ti. É por ti que estou aqui. É por ti que nasço e morro todos os dias na folha de papel. É por ti que escrevo e são para ti todas as palavras que um dia nunca soube ou pude dizer-te. É para ti o que ainda resta depois da partida.

Isa Mestre