domingo, janeiro 29, 2006

Bruno

Se a saudade tivesse um nome chamar-se-ia Bruno.
Bruno, a palavra de cinco letrinhas que me fez voar sobre as suas asas, o sentido da vida reunido naquele momento, naquele nome, naquela expressão, naquele olhar…
A noite chora, chama por ti, os barcos trazem inscrições na sua proa, os pássaros levam a minha saudade nas suas frágeis asas, o vento leva-a no peito, enquanto a minha voz sumida chama por ti…Bruno, Bruno, Bruno…
Será que te perdeste por aí? Será que posso ir buscar-te com as minhas mãozinhas delicadas, ou ter-te-ei deixado fugir para sempre? Será que há amanhã? Será que o momento se resume à efemeridade? Será Bruno?
Porque não voltas mais? A este cais atribulado das nossas vidas, a esta rotina estonteante que apenas tu sabias quebrar da melhor forma…
Aquilo que foste desvanece-se aos poucos na nossa memória, os teus contornos perdem precisão e os sentimentos ganham força neste coração que anseia abraçar-te.
Mas tu, tu já lá não estás.
Oxalá pudesse chamar por ti, como fiz tantas vezes quando brincávamos como criancinhas pequenas…mas agora a minha voz trémula perde-se no infinito sem atingir o teu coração, agora as estrelas ficam quietas, são testemunhas caladas da minha dor.
Agora a areia da praia insiste em apagar o teu nome, apenas poderemos escrevê-lo juntos, sei disso.
Queimo folhas, rasgo palavras, oxalá pudesse eu matar a dor que me atravessa a alma.
Não espero mais, Bruno. A cada barco que passa a minha esperança de ver-te voltar morre nas profundas águas do oceano, restam-me as palavras, as que me deixaste, as que ficaram de herança deste amor tão bonito que nem o tempo conseguiu apagar.
E essas não as sepulto junto do teu túmulo que não existe, guardo-as comigo para sempre, na caixinha do meu coração, no sorriso da minha alma.
Porque por mais que eu abra o mapa, o teu nome está em todas as partes, as coordenadas do meu peito serão eternamente tuas, ainda que não exista esse dia, esse momento, esse amar, os meus caminhos serão sempre os nossos caminhos.
Os meus pezinhos percorrem a casa, as minhas roupas espalham-se pelo chão, os meus livros abrem-se perante o atento olhar da vida, mas faltas tu…o teu cheiro, o caminhar decidido, a excentricidade da tua música, a loucura do teu ser. Falta o livro fora do sítio, a camisa desarrumada, o tapete sujo dos teus passos enlameados pela casa, falta a rosa nessa jarra vazia que a minha saudade foi incapaz de preencher. Falta o teu perfume espalhado pela rua, o teu sorriso reflectido nas montras da cidade, o teu flash que captava todas as emoções…
Todas as coisas chamam por ti…mas o meu coração, esse cansou-se de esperar e gravou o teu nome para sempre junto das mais bonitas coisas da vida.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Canção

Invade-me uma sensação de liberdade e de alegria, quer expandir-se por todos os poros da minha alma… então sorrio, canto canções.
Subitamente vem-me à imaginação as melodias de meninos, recordo as músicas da nossa adolescência conturbada, depois…depois as notas dessa nossa canção saltam-me para o coração e os meus lábios desenham pela casa a música que tantas vezes ouvimos. Eu canto-a, como na primeira vez, com a mesma emoção, como se as minhas cordas vocais ainda permanecessem idênticas, como se a maturidade não se tivesse apoderado do meu corpo.
È a canção da morte…da tua morte. Porque enquanto a canto e recordo os momentos vividos, tu agonizas do outro lado do planeta, tentas despedir-te do mundo, das pessoas, das palavras… na tua cabeça ecoa essa mesma canção, aquela que eu canto com um sorriso nos lábios e alegria na alma.
Não sei de nada, não sei que naquele preciso momento estás a dizer-me adeus, não sei que as horas jamais poderão prolongar a tua estada neste mundo, não sei se devo cantá-la, ou se devo ceder ao silêncio desta casa.
A alegria esvai-se em instantes, volta o vazio, perde-se a alegria, regressa a madrasta tristeza ao meu rosto pueril.
De repente, tento cantar, mas os sons ficam presos nesta garganta ferida de tanto chamar o teu nome, as palavras não saem, as notas perdem-se na minha cabeça sem conseguir atingir o coração.
És tu quem me tira esta canção da alma, és tu que respiras a última lufada de ar da vida, e eu perdida e triste nem me apercebo que apesar da distância estás a morrer nos meus braços.
Então calo-me. Deixo-te ir sem fazer frente à morte, sem lutar com a minha espada de ouro, sem dizer que te amo antes que seja tarde demais…Deixo-te partir, para sempre…
Vejo a tua vida escapar-me por entre os dedos e não consigo detê-la, quero agarrar essa canção, esse som, essa alegria que cultivámos durante anos, mas tu, afastas-me as mãos, guardas a letra da nossa canção junto do teu peito, sorris-me e vais-te.
Vou inocentemente à tua procura, julgo ainda poder segurar-te a mão e prender-te à vida, mas os meus dedos pequeninos revelam-se incapazes de salvar-te da dor e da morte.
Então a alegria foge-me do rosto, a canção junta-se a ti e abandona o meu corpo, a minha alma, a minha vida. Sei que jamais poderei cantá-la sozinha, porque agora tu já não estará do outro lado do Planeta para completar os versos em branco que a minha distracção deixou escapar, porque esses sons parecerão cemitérios daquilo que fomos e que vivemos…
Por isso, se queres que cante, vem! Empresta-me esse coração que ainda é meu, dá-me essa alma que me pertence, junta a tua voz à minha e cantarolemos como loucos a nossa canção, a canção da vida, a canção que te levou nos braços da morte…


Isa Mestre

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Obrigada!

Há momentos em que o horizonte pára e eu penso... Penso em mim, penso em vós, penso em todos aqueles que de alguma forma ou de outra me ajudam diariamente a poder fazer aquilo que amo. Para vós um obrigada não basta, nunca existirão palavras capazes de expressar o que sinto. Mas, há nomes que nunca se esquecem, há pessoas que ficarão para sempre em nós, naquilo que fazemos e naquilo que somos pela vida fora.

Agradecimentos

Entre todas as pessoas que diariamente me ajudam quero muito especialmente agradecer à Professora Fernanda Lima, grande amiga que desde sempre me apoiou e me iluminou o caminho, tal como uma candeia na noite. Ensinou-me muito daquilo que sei hoje, a si lhe devo a força que me deu em todos os momentos e as alegrias que partilhámos juntas. Obrigada pela paciência , pelos erros que corrigimos, pelas vezes que reescrevemos... Obrigada por tudo. Sempre no meu coração...
Ainda um agradecimento especial à minha Professora de Literatura, Eduarda, pela compreensão e ajuda e por nos ensinar não apenas a Literatura mas também um pouco da vida.
Muito Obrigada!

Na alegria do teu sorriso

Na alegria do teu sorriso


Longe mas perto. Não quero mais ouvir essa voz magoada, esses sons frágeis que me enganam, que me traem, que se perdem nos palácios da minha recordação infinita. Não és tu. Não a pessoa que eu conheci. A mulher forte e lutadora, a que me ensinou a ver em cada obstáculo um pretexto para ganhar forças e sorrir pela vida fora, não a que me ensinou a vencer e me demonstrou vivamente como faze-lo.
A vida jamais poderá derrubar aquilo que és e o que transportas para o mundo, por isso, esconde as tuas lágrimas, mata-as na rua criminosa da dor, altera o tom de voz, ganha coragem, força, alento.
Vou ter contigo, prometo-te. Para te abraçar e te dizer que te adoro, para te beijar as faces e dar-te forças para prosseguir, ou quem sabe para ficarmos apenas no silencio dos sentimentos que nos unem? Mas eu vou. Vou procurar o rosto risonho que me fez crescer, a expressão bonita que me acolheu tantas vezes as tempestades da minha vida.
Não chores mais, querida, não suporto saber que sofres, mereces o mundo e não o que ele tem de pior. Vamos, segue comigo essa estrela, coloca o teu braço sobre o meu ombro e vamos sonhar um pouco, como nos velhos tempos, como quando íamos à boleia das palavras e parávamos ao abrigo de um pensamento qualquer. Vamos lá, ainda és capaz de me ensinar isto e muito mais, mostra-me como se sorri verdadeiramente, com alma, com coração.
Pega na folha de papel e risca as minhas palavras, obriga-me a pensar, a pôr em causa o que faço, a rescrever, a sorrir para ti, a admirar-te como sempre o fiz. Eu acenarei com a cabeça. Dir-te-ei alguns disparates, afinal a minha juventude não me permite muito mais…Tu voltarás a devolver-me o sorriso nobre, pousas a tua caneta sobre o papel e escreves palavras, palavras que nos ouvem, palavras que nos lêem, palavras que nos libertam, palavras que sentem, palavras que se perdem nas avenidas da nossa vida e se encontram mais além.
Precisas de mim e eu preciso de ti. Hoje e sempre. Será eternamente igual, nada mudará, e eu agradeço ao mundo por isso.
Estou aqui, amiga. Para os bons e para os maus momentos, para a festa e para a tragédia, para sorrir e para chorar, para abraçar e para ficar quieta no meu canto, para falar e ficar calada.
Por isso, caminho até ti, sei que a tua força move o mundo, o teu coração seria capaz de acolher o sofrimento que vive no mundo, sei que sorris, sei que voltarás a sorrir, a tua força nunca mais se acabará, o teu espírito será sempre o teu espírito, o que admiro, o que amo, o que respeito.
E no sorriso dos teus lábios o mundo espelha a alegria que é viver.

Bilhete Perdido

Foge agora… é tempo de saíres pela porta fora, vai, vai depressa para que não possa deter-te.
Precisas do teu mundo, do teu espaço, porque eu por te amar julguei que poderia construir um mundo novo. Liberta-te de mim. Não quero mais causar-te sofrimento, dor, tristeza. Chega!
Não vou mais cortar-te as asas e pedir-te desculpa no momento seguinte. Vai e não tenhas medo, coragem! Porque eu serei sempre a mesma, a que ama mas magoa, a que quer liberdade mas te aprisiona nos seus braços.
Desculpa. Mais uma vez, desculpa. Mas desta feita é para sempre, não voltes, não quero ver-te chorar!
Verás que o mundo lá fora é bem mais bonito. Sem o meu amor que insiste em prender-te, em sufocar-te com o calor da possessão, em manter-te eternamente junto a mim.
Vai, querido.
Não tenhas medo do meu sofrimento, sai por essa porta, descobre o novo mundo que um dia desbravaste com todo o teu nobre coração.
Eu continuarei por aqui, com as minhas manias, com as minhas ideias, com as chatices habituais, gesticulando, discutindo com os objectos, sorrindo com as folhas de papel.
Os meus olhos cansados buscar-te-ão ao final do dia, quando a minha astúcia precisar dos teus lábios para repousar a alma, mas, tu já não vais lá estar.
Tanto as minhas mãos quiseram prender-te que chegou o dia em que decidiram que seria melhor deixar-te ir, tanto os meus lábios quiseram os teus que hoje o nosso beijo perdeu-se na memória do nosso amor, tanto te amei que acabei com as lágrimas salgadas beijando-me os lábios e pedindo-te que fosses.
Não me perguntes porquê? Olha para dentro de ti. As respostas estão sempre dentro de nós.
O mundo espera-te. O universo está repleto de pessoas fantásticas, não te prendas a quem não te merece ou não faz por te merecer. Vai embora!
Não digas mais nada, vai simplesmente.
Deixa a aliança morrer sozinha no fundo da rua, na esquina onde a tua dor e revolta a depositar, no frio chão coberto pelas tuas lágrimas de cetim. Não olhes para trás. Olha adiante, as tuas asas já podem voar, bate-as, inova, grita, sorri!
Eu vejo-te da janela, com os olhos brilhantes de emoção, quero dizer-te adeus. Não! Não consigo! Desviarei o olhar como faço sempre que a dor se insere no meu peito.
Mas, pelo canto do olho ainda te verei chorar, como um anjinho de coração magoado, mas um anjo que voa, que vai mais além sem que nenhuma mão possa tolher o seu voo.
Volta um dia mais tarde… se eu não estiver deixa um bilhete na porta, vem dizer-me que me amas, vem sorrir porque agora já podes sonhar, porque as minhas vagarosas mãos já não possuem o corpo domesticado, porque agora és apenas tu e não aquele que nasceu para ser apenas meu. Entendes?
Dir-me-ás que está tudo bem, que voltaste a amar, a ser feliz, que fizeste todas aquelas coisas que apenas imaginavas serem possíveis ao meu lado. Eu, perdida no meu mundo, sorrirei. Aprendi que pelo facto de estarmos presos ao mundo nada nos dá o direito de prender os outros a nós.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Dá-me a tua mão

De olhos vendados enfrento o mundo. A loucura cegou-me, o nevoeiro é forte demais e impede-me de seguir em frente.
Parece que as forças se acabaram, os pés recusam-se a tocar o solo, os meus olhos cobertos de lágrimas enfrentam os dias tristes e solitários passados entre uma e outra espera. Espera de quê? Espera de quem? Talvez da morte, quem sabe? Porque pior que morrer é sentir que a morte está perto.
Ela espreita pela janela, eu encubro a cara por entre os lençóis da vida, julgo poder esconder-me para sempre. Ela entreolha-me e vai embora uma vez mais, garante-me que voltará, que da próxima vez será para sempre, que virá buscar-me do meu leito e me levará nos seus braços negros e traiçoeiros.
Baixo a cabeça, caio resignado e choro, tenho medo! Tal como um menino que se esconde por detrás dos armários quando a tempestade está por perto…
Que anjo virá arrancar-me dos braços da morte?
A minha fala está entorpecida pela crueldade de perder os que mais amo, agora, nada mais importa, por isso, se quereis levar-me, vinde, vinde devagarinho, sem barulho, sem dor, sem sofrimento. Leva-me para o céu, ensina-me a voar sobre as nuvens, mostra-me aqueles que retiraste dos meus braços e devolve-me o amor que nos unia.
Mas, antes, deixa-me dizer adeus a este mundo louco, deixa-me dizer “Amo-te” àqueles que sempre mereceram ouvi-lo, deixa-me voltar a olhar para esta imensidão e perceber que tudo isto não me pertence, deixa-me sorrir, deixa-me chorar, deixa-me sonhar uma vez mais… Depois, leva-me… Para o mundo que julgamos existir, para o sítio onde não se sente, não se sofre, simplesmente vive-se.
A nossa presença aqui torna-se insustentável quando tudo o que precisamos para viver já partiu. È mentira quando dizemos que tudo passa, é mentira quando tentamos enganar a dor no jogo vão de lhe dar limites. O mundo não é mais que uma ilusão que criámos para nos sentirmos bem connosco, para julgarmos que seríamos mais fortes que a natureza, que a lei da vida.
Vou com a morte, dar-lhe-ei a mão, chamar-me-ão cobarde porque não consegui suportar a dor e optei pelo caminho mais fácil, mas eu sentir-me-ei feliz pois a minha existência resumia-se a respirar, comer, beber e dormir. Há determinadas fases na vida em que é necessário viver, eu sei que jamais seria capaz de voltar a fazê-lo. Por isso, sou um fugitivo da dor, um vagabundo da noite que deu a mão à morte e a convidou a entrar nos seus sonhos. Um homem que voltou a ser menino, caminhou pela estrada escura e encontrou a luz num país perdido.

Isa Mestre