quinta-feira, janeiro 24, 2008

Papéis

Há dias em que o coração chama por ti. Dias em que espalho os meus papéis pela casa na esperança de que venhas pisá-los, de que venhas olhar-me nos olhos e dizer-me que o que escrevo não presta, que devia dedicar-me a qualquer outra coisa.
Há dias em que parece que ainda ouço a tua voz ao fundo do corredor, a tua chave a entrar na fechadura, a tua gargalhada profunda num gesto grave e ao mesmo tempo risonho.
Dias em que não espero por mais nada nem ninguém.
Apenas tu. Na ilusão de que a caneta venha novamente riscar-me as folhas de papel.
Não sei se tenho ainda coração, ou palavras rasgadas, feridas profundas que escrevem o teu nome a sangue.
Há dias em que gostava de acreditar que não quiseste partir.
Há dias em que me apetece dizer-te que não me impeças de sonhar com o momento em que voltarás a pisar os palcos da minha vida.
Permaneço calada.
Enquanto ela me diz que te viu com outra, permaneço calada.
Idiotice. Como poderias ter-me esquecido? Como poderias não lembrar as noites passadas entre beijos e fantasia, entre “amo-tes” sussurrados aos ouvidos do mundo e palavras breves a brotar-nos do peito?
A voz assegura-me que eras tu: o mesmo jeito, o mesmo olhar… ,
E eu a pensar nos dias em que preferia que o mundo estivesse calado apenas para te ouvir, a pensar nas horas que queria transformar em milésimos de segundos, a pensar nas palavras que queria apagar da memória com a borracha da vida.
A voz a martelar-me cá dentro.
Ele. Ela. Eles.
E nós? Para onde foi aquele que me abraçava e me fazia acreditar a mulher mais feliz do mundo? Para onde foi o vagabundo que me roubou o coração e fugiu pela noite fora?
Para onde fomos nós, quando os nossos lábios se tocavam e os dedos julgavam tocar o céu da felicidade?
Talvez tenhamos desaparecido numa noite tão fria quanto aquela em que nos conhecemos.
Talvez tenhas voltado a ser apenas o menino perdido na estrada da vida, talvez eu não saiba mais como encontrar-te nos caminhos que um dia me guiaram aos teus braços.
Há dias em que continuo a acreditar que os teus passos regressaram ao trilho imperfeito dos nossos corações.

Isa Mestre