segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Habitante de mim

Escrever-te-ia uma canção, se os meus dedos fossem suaves, como os teus quando me tocas os lábios e ameaças deixar-me a alma vazia de todas as palavras que me habitam.
Ensinar-te-ia as mais belas palavras de amor se nunca tivesse aprendido a ler nem escrever, pois palavras de amor, só as há na boca de quem viveu a vida pelas mãos calejadas do frio e do vento.
Não passo de um pobre coitado.
Agora, quando me olhas, não vês absolutamente nada. Amanhã, será exactamente igual. Amanhã eu continuarei a ser o miserável que arruma a dor em palavras, que constrói frases demasiado longas para que possa permitir-te colocar um ponto final na angústia de cada momento.
Sabes…se a minha vida fosse um texto, seria um texto corrido, puro, sincero e feroz, um texto sem vírgulas, sem parágrafos, sem pontos finais. Um texto como um diamante em bruto, saído do interior da terra. Um texto virgem.
Um texto que fosse as minhas mãos e as tuas quando nos beijamos, que fosse o nosso olhar quando nos estendemos sobre o tapete da vida e contamos as estrelas do céu.
Mas, a verdade é que não passo de um pobre coitado.
Olho-me. Tenho as mãos calejadas pela caneta (ou será da vida?), olhar vazio, pernas longas (porém incapazes de passos compridos como outrora), e no mais profundo de mim: o coração.
O coração que chora quando escreve e escreve quando chora.
Não sou aquilo que escrevo nem escrevo aquilo que sou. Conheces-me e sabes que os meus dedos procurar-te-iam se não me falasses aqui de dentro, deste mundo onde te vejo e não te posso tocar, onde te amo sem saber se existe a palavra amor.

Isa Mestre