sábado, setembro 03, 2011

persona

Ela tinha um sorriso. Não como o teu. O dela mais ficcionado, menos certo, não erraria se dissesse menos encantador. Porque com ela eu não tinha de ter medo de dizer,
-gosto de ti,
Como tenho contigo, quando fico preso ao ridículo de não saber sequer ser eu.
No papel os verbos pareceram-me fáceis, suaves, ternos, aqui menos maduros, incoerentes, apressados.
Perdemo-nos por momentos em conversas banais. Dizes qualquer coisa sobre a vida. Depois ficas em silêncio, como se todas as memórias fossem de repente um carrossel que a razão quer mas não consegue parar.
Com ela seria fácil. Bastaria mudá-la de cenário, disfarçá-la por meio de uma dúzia de frases bonitas que nos fazem esquecer quase tudo. Contigo não. A vida diferente dos livros. Sem analepses nem prolepses. Sempre no mesmo lugar, mesmo que te doa, mesmo que não saibas para onde fugir, mesmo que te sobrem sentimentos e te faltem palavras. Na vida uma coisa de cada vez.
Como naquele dia em que não soubeste como lidar com o vazio.
Uma coisa de cada vez.
O vazio é hoje o mesmo. Deixámos de nos questionar sobre isso. Julgamos conhecer-nos melhor, e quanto mais nos conhecemos menos partilhamos.
Por isso te escrevo. Para partilhar.
Ela tinha um sorriso. Não como o teu, mas feito a partir do teu. E a verdade é que quando te vejo, vejo-a também a ela, porque são a mesma, porque estão exactamente no mesmo lugar. És no fundo a realidade da minha ficção e todos os dias agradeço a Deus por isso.

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