sábado, maio 03, 2008

Porque vieste

Obrigado por seres tu, nesse gesto tão simples, nesse sorriso tão teu, nos olhos que quando vagueiam perdidos pelo espaço se encontram no abraço de cada coração.
Saber que estás aí é um instante e um sorriso, um beijo deixado nas asas do tempo com destinatário prévio, com aviso de chegada, quando a ternura dos meus olhos ameaça saltar para o mundo cá fora.
Sorris-me nervosamente. Nunca sabemos como dizer,
- Gosto de ti,
Sobretudo, nunca sabemos como dizê-lo sem necessitar de usar palavras.
Estás aqui. Permanece calado. Já disseste tudo. Estás aqui, lembras-te? Os outros foram embora, encontraram pretextos para preencher o vazio que se interpôs entre nós, encontraram razões para dizer-me quando chegar o fim. Mas tu ficaste. Não porque não tenhas medo de ver-me morrer, não porque não sejas tão cobarde quanto eles, não porque não te apeteça chorar, quando acorrentas as lágrimas nos olhos como se pudesses impedir-me de sentir a tristeza a esvaziar-te todos os poros da alma. Ficaste porque gostas de mim, porque gostas do momento em que te sorrio e fingimos esquecer que tudo o resto existe, esquecer que não podemos apagar a vida, como apagámos em tempos as palavras nos cadernos esborratados pela caneta do destino.
Às vezes apetecia-me esquecer-me de tudo, incluindo de ti. Matar-me. Matar-te. Matar-vos a todos para que não sofrêssemos tanto quando chegar o fim.
Não finjas, tu também sabes que ele chegará. Chega para todos. Chega um dia. Chega, e a verdade é que tu nunca poderás saber quando nem porquê.
Senta-te. Quem sabe se amanhã virás? Quem sabe se o camião amanhã não se desvia enquanto o teu pé no acelerador pensa em mim, enquanto as tuas lágrimas nos olhos te impedem de ver a dimensão da estrada?
Senta-te.
Hoje podes ficar.
Não te farei perguntas. Acho que te agradeço sem usar palavras, se também não as fizeres.
Senta-te apenas. Deixa o meu coração e o teu dialogarem nessas vozes surdas que são o meu olhar e o teu quando as palavras se tornam ridículas, que são a tua mão sobre a minha quando estendo os dedos e acredito que já todos desistiram de agarrá-los, que são as minhas lágrimas quando o teu gesto breve me limpa a amargura do rosto.
Dura pouco a hora da visita.
- È um instante,
Dizes tu.
Tens razão,
- Um instante,
Como eu e tu. Aqui. Agora. Um instante.
Quantos instantes daria para ter-te para sempre junto de mim?
Sorris. Sorrio-te também.
Se morrer amanhã, ao menos soubeste hoje que os teus olhos me fazem sorrir.

Isa Mestre