terça-feira, março 21, 2006

Nas pisadas da noite

Nas pisadas da noite

Nas pisadas da noite encontraram o dia.
Eram robustos, lutadores, aguerridos, orgulhosos, ambiciosos, eram a ponta da lança pronta a atacar o inimigo, a estrela a despontar nos céus, o sorriso no rosto dos mais sisudos. Vestiam-se humildemente e no coração levavam o amor e o respeito que lhes fora incutido desde crianças. Muitos quiseram impedi-los de ir além, de atingir o caminho que os grandes percorreram, quiseram cortar-lhes as asas quando eles ainda tinham tanto espaço livre para voar. Mas eles continuaram a perseguir os seus sonhos, como fiéis heróis em busca de um ideal, como trepadores de montanhas que esboçam um tímido sorriso ao chegar ao cume. Como eles próprios, como vieram ao mundo, com a mesma pureza, inocência e bondade com que respiraram a primeira lufada de ar fresco.
Porém, o caminho revelou-se sinuoso, o mundo insistiu em mostrar-lhes a sua pequeneza perante a imensidão.
Inconformados choraram. Porque as suas roupas esfarrapadas jamais revelariam o conteúdo dos sentimentos que lhes enchiam o coração, choraram porque as lágrimas jamais seriam sinal de fraqueza, afinal fora com elas que aprenderam a crescer e a seguir novos rumos.
E nas pisadas da noite encontraram o dia.
Ainda que a luz fosse fraca souberam encontrá-la na dura escuridão, ainda que os sentimentos de pouco valessem eles souberam sentir, ousaram sentir.
As suas roupas continuaram pobres, tristes, sujas porém os seus corações limpos conseguiram ensinar ao mundo a lição do verdadeiro amor. Muitos lhes chamaram vagabundos ao passar pelas ruas, no entanto, outros tantos olharam-nos como heróis oferecendo-lhes o seu próprio sentir. E as janelas dos seus rostos abriram-se para o mundo, abraçaram-no sem pudor, sorriram, porque do sorriso nasce a alegria patente em cada gesto.
A lua iluminou as suas noites mais frias em busca de um mundo diferente… não um mundo melhor (tornara-se banal pedi-lo), porém um mundo diferente, um mundo com os mesmos homens de hoje mas capazes de construir um amanhã diferente. Talvez um mundo sem dor, sem ódio, sem raiva, sem luxo, sem injustiça, talvez…
E o sol acolheu os seus sorrisos perdidos no horizonte, os sorrisos de quem despertou mais um dia e ambicionou torná-lo maior que todos os outros, mais repleto de vida, de cor, de magia.
Por isso, hoje não seremos apenas nós, mas também estas duas estrelinhas perdidas na imensidão do Universo que cantam connosco o hino da nossa alegria de viver.
Na verdade, afinal também nós encontrámos nas suas pisadas da noite o rumo do nosso dia.

Isa Mestre

quinta-feira, março 09, 2006

No aeroporto da minha alma

No aeroporto da minha alma aterram as alegrias e as tristezas, os sonhos e as desilusões, a loucura e a falta dela.
E as luzes do meu espírito continuam a brilhar, para que o próximo avião carregado de sonhos e repleto de coragem não perca a sua rota, não desvie o seu caminho nem por um segundo. Em terra, os sentimentos gesticulam, gritam, desesperam por vezes, mas, na aterragem tudo é serenidade, paz, alívio, apenas o barulho ensurdecedor dos motores, símbolo da força dos meus sonhos que continua a preencher as horas vazias deste coração. Os passageiros entram e saem, como vagabundos, como viajantes da última carruagem desse comboio da vida. Alguns perdem-se na complexidade das coisas, outros seguem perdidos e acabam por encontrar o seu destino final.
Por isso, as minhas bagagens estão feitas, estou pronta para partir.
Comigo levo as folhas de papel e a caneta, levo tudo aquilo que me basta para ser feliz!
Aceno lá do fundo àqueles que me conduzem até aos sonhos mas optam por ficar na porta de embarque esperando que a minha alma volte.
O aeroporto cheio de gente saúda aqueles que embarcam para o novo sonho, a nova aventura de viver, com as lágrimas nos olhos, tocam-lhes pela última vez e dizem… Até um dia…
Até ao dia em que o aeroporto da minha alma for pequeno demais para tanto sonho, até ao dia em que voltarei a brilhar, até ao dia em que voltarei a abraçar esses corpos cansados da expectativa, enquanto que o meu continua a procurá-la por todos os lugares.
Mas vocês continuam a acompanhar-me em todas as viagens da minha alma, ainda que vos faltem as forças e vos sobeje a experiência, conduzem-me até ao destino, como se de uma menina frágil me tratasse, como se com o derradeiro olhar me dissessem: «Vai correr tudo bem».
Depois, eu vou por aí, por esse mundo fora, descobrir aquilo que vocês já descobriram, cometer os erros que cometeram, sorrir tal como sorriram… Regressar tal como regressaram, com a alegria nos braços, transportando-a cuidadosamente como se de um bebé se tratasse.
E no regresso o meu rosto extenuado esboça o sorriso de sempre, então caminham até mim, beijam-me e abraçam-me, depois voltamos ao nosso mundo, à realidade que nos abraça a cada lufada de ar fresco…
O aeroporto da minha alma fica novamente vazio, desprovido de ânsia, de nervosismo, de cor, de luz, de magia…até ao próximo voo, até ao próximo sorriso nas asas do vento…

Isa Mestre