quinta-feira, outubro 11, 2007

Choveu dentro de mim

Choveu tanto nessa noite. Choveu demasiado nessa noite. Talvez, se não tivesse chovido tanto, as gotas do teu coração não inundassem o meu como que impregnando-se em cada parte do meu corpo, como que sendo minhas a casa instante.
Hoje, quero sacudir as roupas e pingo por todos os lados. Dizem-me que cheiro a ti, que tenho ainda o teu perfume preso no meu pescoço, a tua boca suavemente encostada ao meu ouvido dizendo-me que me ama. Quero fugir. Corro, corro. Mas para onde ir? Se estás em cada momento, se os teus lábios me perseguem como se me beijassem levemente os ombros depois de fazermos amor.
Imagino-te de pés descalços e camisa encharcada a percorrer-me a casa, a procurar duas chávenas de café bem quentinhas para me acolheres junto ao leito, para me calares esta voz que me diz que não posso ser tua, quando já te pertenço.
E ele lá fora. Ao frio, à chuva, ao vento. Ele que foi buscar os miúdos à escola e lhes preparou o jantar, ele que ligou vezes infinitas, procurando a mulher com quem casou. Procurando quem já não sou.
De um lado para o outro, caminha freneticamente pela rua. Imagino as vezes que terá ligado para o escritório, para a minha mãe, para a minha irmã…imagino as imagens que lhe atravessam a mente e quero voltar. Mas tu estás aqui, como lama presa nos meus sapatos, tu permaneces imóvel e apaixonado, risonho e astuto. E pela primeira vez na vida, tenho a certeza de nunca mais poder voltar a amá-lo como te amo a ti.
Fico calada. As minhas palavras denunciariam a paixão e afinal quem sou eu para sonhar? Eu que tenho os sapatos sujos de lama, que estou submersa na infidelidade de quem usa aliança no dedo e tem o coração amarrado pelos traços do destino.
Aqui, na tua cama, deixo de ser a mãe, a esposa que faz o jantar, que passa a ferro e lava a loiça, deixo de ser a menina de sorriso aberto que casou com o arquitecto bem sucedido, para ser apenas tua. Somente tua.
E, por vezes, o que parece tão pouco significa tanto dentro de nós.
Fico mais um pouco. Vou fingir que esqueço que os miúdos chamam por mim, vou fingir que sou feliz com a vida que tenho lá fora. E quando sair deste quarto, vou deixar-te um bilhete na mesa-de-cabeceira. O que dirá não sei. O que farás depois disso apenas tu poderás saber.

Isa Mestre

3 comentários:

Manuela disse...

Excelente!!

Lembrei-me de um filme que adoro...

Em vez de chuva, era vento...

Parabéns!!

***

Piri-Piri disse...

Para mim é facil escrever sobre aquilo que sinto, aquilo que vivo, aquilo que vejo, aquilo que sou ou quero ser mas tu conseguite e muito bem fazer tudo aquilo que não consigo que é criares uma personagem e sentires aquilo que ela sente aquilo que ela vive tudo aquilo...

Parabens!!!

Anónimo disse...

Olá Isa,

Cá estou eu, de novo... À espera de mais textos teus. E não vás deixando de me visitar nos meus dois cantinhos.

Boa inspiração!

Beijinhos*
Nela