sábado, dezembro 01, 2007

Palavra em Branco

Há pessoas que ainda antes de sorrir já nos pertencem.
Já lhe conhecemos a expressão dos olhos e os contornos suaves dos lábios, os caracóis rebeldes e a calma valsa das mãos sobre a mesa.
- O teu trabalho é escrever-me,
Disseste-me, então.
E eu, que até aquele dia queria ser escritora, desisti de colocar-te em palavras, por ter a perfeita consciência que as coisas mais belas da vida serão sempre impossíveis de escrever.
Olhei-te até ao sorriso, até à exaustão (se é que os meus olhos se cansam de te olhar)…
E por momentos, existiu entre nós o silêncio da distância entre o pintor e a sua tela.
Apenas a tua voz,
- Escreve-me.
Como as telas diziam a Picasso,
- Pinta-me.
E eu a ser incapaz de encontrar um adjectivo decente, um adjectivo que te faça sorrir e pensar o quão tola sou, enquanto me pedes que rabisque um papel.
Há mulheres a quem pagas por horas de puro prazer, pelo desejo de carne contra carne. A mim, contratas-me para que te escreva.
E serei eu mais digna que aquela que se despe diante de ti, em outras ocasiões? Será que não me dispo também, em palavras profundas e gestos escondidos?
Estou nua e nem me consegues apreciar.
Estás demasiado preocupado com os vocábulos que procuro para te adornar a alma, para te fazer mais homem.
Recorda-te dos reis que mandavam pintar retratos. Tu mandas-me escrever-te.
Despes-me. Roubas-me a alma. Tentas ensinar-me o que é o amor, quando eu nunca conseguirei escrevê-lo, porque nunca conseguirei escrever-te a ti. És o amor. E o amor é uma palavra em branco.

Isa Mestre

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Isa,

Muito bem escrito. Belo tema escolhido. A branco...de paz!

Beijos*
Manuela Fonseca

Anónimo disse...

Perfeito. Adoro. Beijao querida

Anónimo disse...

Isa... Adorei...
A tua escrita tem o poder de nos prender diante dela, de nos fazer esquecer qualquer coisa de importante que tinhamos a fazer até pormos, finalmente, os olhos nela...
e nos perdermos...
e desejarmos... porque é aquilo que sucede comigo, ler mais e mais e mais... dos pedaços de perfeição que vais fazendo...
da imensidão de arte que vais construíndo... Beijo *
Pedro Miguel Rodrigues.