terça-feira, julho 04, 2006

Levo-te na alma

Eu vou, com asas de sonho, eu vou para longe.
Mas levo as nossas recordações comigo, levo a tua fotografia na minha carteira e o teu sorriso no bolso. Assim será mais fácil sorrir-te, como se nesta folha de papel fosses tu e não apenas o progresso do mundo espelhado na fotografia que trago comigo.
Levo-te, como nas manhãs em que caminhei solitária para o trabalho, sem ti, sem carinho, sem saber onde dormiste nem por que ruas vagueaste.
Só queria que me acordasses quando chegasses a casa, nem que fosse para dizer que estava tudo bem, para depositar um beijo nas minhas faces ainda coradas pelo calor eterno da almofada.
Mas tu não vieste. Nessa noite não vieste.
O nosso filho adormeceu com as minhas histórias, com a minha voz trémula de quem tenta disfarçar a dor e encontrar caminhos no deserto da solidão. E ele perguntou por ti...eu sorri-lhe timidamente e julgando enganá-lo, disse-lhe apenas: Vamos, querido, vai lavar os dentes, já é tarde.
E ele foi. Não voltou a perguntar pelo “papá”, pelo homem que se tornara um desconhecido no seio da sua própria família.
Quantas vezes me perguntara eu o mesmo que o nosso filho, meu amor....quantas?
Por onde andaste? Por onde andaste nas noites frias de Inverno? Por onde andaste quando o teu filho chamou por ti? Por onde? Por onde?
Não sei.
E agora ainda ouves a sua voz? Agora que cresceu, que se fez homem e construiu com as suas mãos os caminhos que se estendem diante do seu olhar.
Mas, hoje, ainda te chama. “Papá, papá....” , na sua voz de homenzinho, e chora timidamente na almofada, finge não sentir aquilo que ambos transportamos no peito: a dor.
A dor de nunca mais poder tocar-te, ouvir-te, sentir-te apertar-nos contra o teu peito.
Nessa noite tu não vieste, tu nunca mais vieste.
E eu não soube dizer-lhe onde estavas, para onde ias, porque não voltavas...não soube. Porque por vezes as mães não sabem tudo.
A vida respondeu-lhe...com o tempo, com o apaziguar da dor, com a saudade.
Sim, ainda hoje a vida sabe dizer-lhe onde estás.
E ele olha-me timidamente, aponta para o céu e sorri, como se ainda estivesses no cimo do nosso telhado a concertar as telhas.
Um dia havemos de escrever a tua história na areia da praia, a água virá e apagará todos os nomes, mas ficará a marca dos nossos dedinhos no coração do mundo, tal como ficaste em nós.
Amor, ainda espero que venhas, que me acordes e me digas que a noite foi terrível, ainda espero que me prometas que no dia seguinte não preciso esperar por ti, porque já lá estarás quando chamar pelo teu nome.
Espero mas não vens, sei que nunca mais vens.
Como naquela noite, como quando o teu corpo esqueceu a vida e sonhou para além dos nossos horizontes...quando eu não sabia onde estavas e morrias afinal sem um adeus, sem um “amo-te” que ficasse para sempre no meu olhar de menina.
Por isso, hoje eu vou, levo o nosso menino pela mão e vou em busca dos sonhos que perdemos quando partiste.
Sei onde estás. Estás aqui...entre mim e ele, no entrelaçar dos nossos dedos, nas batidas compassadas dos nossos corações, estás no meu bolso e na minha alma.

Isa Mestre

2 comentários:

João Teago Figueiredo disse...

Tal como tu, também eu lhe chamaria paixão. De facto, não haverá outra palavra que descreva aquilo que sustenta o teu mundo no ar. Flutuando. Um mundo em letras, em palavras, em frases, em textos. Pintado a metáforas, anáforas, hipérboles. Perpassa pelas tuas letras uma indomável vontade de chegar ao centro da vida, de tocar-lhe, de descobrir-lhe todos os segredos, numa estrada narrativa invulgar. Chamar-lhe-ia dom, mas noto que há na tua escrita algo ainda maior, algo de inefável conteúdo poético. Sei que há em ti tudo aquilo que um escritor poderá almejar ter, sei. E eu sei que tu também o sabes. Sei que a chama literária que abunda dentro de ti não se apagará ao primeiro sopro. Sei que não pararás de ser uma leitora competente, de te apaixonares pelos livros como se fossem pessoas, no único caminho possível para a perfeição. Sei que também a tua caneta encherá de paixão os corações dos que te lêem, sei. Porque, por certo, já enche.

Beijinhos e terás sempre o minha ajuda e o meu incentivo…deste lado do mundo…

João Teago Figueiredo

Anónimo disse...

Oh pah... Este comoveu-me... ='(
Está mesmo lindooooooooooooooooo!
Tens muito jeito linda, cada vez mais.. =)
*BeIjaO