terça-feira, julho 18, 2006

Sonhos Teus

Eu vim, naquela noite fria eu vim e tu ficaste.
Ficaste para montar as tendas em que dormiríamos nessa noite, ficaste para sonhar mais um pouco porque a mim o sono da escuridão já me cerrava os olhos por completo, ficaste para imaginar que terias filhos e construirias mundos ao lado de outra pessoa, ficaste para dizer os nomes dos garotos antes de adormeceres...
Mas eu não mais estaria, não voltarias a imaginar que sou essa pessoa pela qual esperaste tantos anos. Não o faças, porque eu não sou, não sou nem quero ser.
Não te disse adeus. Tu bem sabes como odeio despedidas...Afinal, para quê dizer-te adeus se amanhã seguirás os meus passos e trarás os teus sonhos para junto dos meus? Se amanhã quererás abraçar-me e dizer-me que vamos ter muitos filhos e uma casa grande para acolhê-los a todos? Eu sentir-me-ei pequeno outra vez, porque as minhas mãos estão vazias e tu insistes em enche-las com sonhos que não são meus, com vidas que nunca vivi, com alegrias que não existem no interior da minha rudeza.
Não quero magoar-te, afinal ainda és o fruto verde da àrvore madura e cansada do tempo, ainda és o amanhecer quando o pôr-do-sol já se estende sobre os meus horizontes longínquos.
Crescerás, habituar-te-ás a ver-me partir , a ver-me cobarde e incapaz de dizer-te que os teus sonhos não são os mesmos que os meus e que a vida que construiste nunca foi o alicerce que imaginei na minha casa do futuro.
Não te digo nada, porque como o meu pai dizia, o silêncio diz tudo aquilo que as palavras se revelam incapazes de expressar.
Por isso, quero que sigas em frente sem olhar para trás, sem imaginar a minha imagem a partir da praia da tua vida, sem as ondas do meu corpo a bailar sobre o teu, segue e não me procures, mas, por favor, também não me esqueças.
Pensa apenas que fui um episódio da tua vida, como nas novelas, como nos filmes em que acaba sempre tudo bem. Vem, finge que pões a cassete da tua vida e recorda-me, vee-me partir e pergunta-me porque vou, para onde vou, que mal fizeste. Vem, pergunta! Pergunta que eu permanecerei calado apenas para não te magoar, para não tolher da terra essas tuas raízes profundas e carregadas de vida.
Matar-te-ia se te retirasse os sonhos , por isso, prefiro morrer...sozinho, perdido, apenas com a tua imagem no pensamento.
Não sonharei que teremos muitos filhos, nem casas, nem luxo, nem sequer imaginarei ter-te a meu lado para o resto da vida, porque por agora bastar-me-ia ter-te aqui, no deserto de mim, onde não há sonhos, não há ambições, não há lutas...onde só existes tu, tu e mais ninguém.
Se vens para o meu mundo, deixa os sonhos do lado de fora da porta, tal como um saco de compras que repousa sobre a tapete da entrada, deixa-os! Porque os sonhos, tal como os sacos de compras são pesados, são demasiado pesados para transportá-los sempre comigo.

Isa Mestre

1 comentário:

João Teago Figueiredo disse...

O que são afinal as palavras? São apenas carne num esqueleto de histórias? São apenas roupas num corpo de vidas e de sonhos? Ou serão o próprio corpo, tão essencial e autónomo. Ou serão o alimento mais forte da escrita, da criação literária. Certamente que sim. Para mim, sim. Os teus textos concordam comigo. A história é apenas o prego onde penduramos o quadro. As palavras, essas sim, são a obra, o barro moldável ao sonho. É neste barro que moldas a descoberta dos segredos mais ocultos. É neste barro que enches de emoção as pestanas de quem te lê. É com este barro que um dia construirás a casa onde as histórias voarão como pássaros livres e soltos, para que toda a gente toque neles e lhes sinta a infinita liberdade. Uma casa de paredes feitas de palavras. Palavras.

Palavras. É nelas que eu acredito.

Um beijinho.

João Teago Figueiredo