quinta-feira, dezembro 14, 2006

Falso

Sim.
Hoje, não há nada que me impeça de sorrir-te. Esqueci os lamentos, as tristezas, as vezes em que me afastei para sacudir a dor do resguardo profundo da alma.
Mas hoje, prometo que te sorrio, do início ao fim, como no teatro, desde o abrir até ao cerrar das cortinas, desde o despontar do sol até ao nascer da lua que se estende sobre as nossas cabeças.
Não quero saber se amanhã chove, se amanhã o mundo chora por não saber quem somos…não, não quero!
Sou o presente, aquilo que vivo e o que sinto. Sou a tua voz quando estás exausto de gritar, sou o teu sorriso quando os lábios se recusam a sorrir, sou o teu sol quando as nuvens negras ameaçam o mundo.
Seguimos vagabundos pelas avenidas da nossa vida, conduzes loucamente por entre as fileiras intermináveis e eu sorrio, não porque ache piada à imprudência do teu acto, mas porque o teu simples olhar seria razão mais do que suficiente para o meu mundo se abrir a teu lado, tal como um baralho de cartas na mão de um profissional.
A música a sair-te da alma, a inundar-te o corpo repleto de energia…
Penso.
Porquê eu? Porquê tu? Porquê nós?
Porquê? Se enquanto cantas estridentemente eu apenas quero dizer-te que odeio música, se enquanto exuberas de alegria eu apenas quero mostrar-te que o meu mundo é tristeza e silêncio…
Eu já te tinha dito. Não vou mentir mais, estou cansada de mentir.
- Não sou pessoa para ti,
A minha voz a ecoar na amálgama de sons do teu carro, a minha voz a tornar-se cada vez maior, a minha voz a elevar-se sobre a música…e por fim, apenas a minha voz.
(Ouviste?)
- Não sou pessoa para ti.
Desligas a música.
Sinto-me importante. Como uma actriz num palco de sonhos que não é meu, como uma ladra rodeada de seguranças que querem saber a todo o custo porque roubo.
De novo a tua voz a ecoar no silêncio virgem do interior do teu carro,
- Porquê? ,
Quero dizer-te que somos muito diferentes, que nunca será possível amar assim, quero dizer-te que adoro o teu jeito de sorrir, a forma como me abraças, o calor com que te entregas ao mundo. Mas não te imagino meu. Não. Nunca poderia fazê-lo.
Sabes…a alma não se pode propor a enganos que o coração não vende.
- Não te amo,
As minhas palavras levam-te a convicção com que me embalaste por este mundo fora, sinto-me ridícula, como se com um sopro destruísse em breves instantes o castelo de cartas que demorou anos a edificar.
Mas, não posso mentir-te, não posso mentir-me.
Bem sei que dói, que sou cobarde porque insisto em correr atrás de algo que me foge das mãos, que procura luz quando eu vivo na escuridão deste sentimento que me acorrenta.
Pudesse eu amar-te como o amo e faria de ti o homem mais feliz do mundo, ouviria contigo a música das nossas vidas e gritaria como uma louca pelas ruas da cidade… Agora, apenas te posso dizer: Sim.
Sim, a uma amizade que não é amor, a um sorriso que não é de quem ama, mas de quem acarinha. Por isso, hoje, não há nada que me impeça de sorrir-te, nem mesmo os monstros do amor verdadeiro a assolar-me a consciência de um amor fingido.

Isa Mestre

1 comentário:

Felipe disse...

há um samba brasileiro q diz assim:
"...se eu ainda pudesse fingir q te amo... ah se eu pudesse! mas não posso, não devo fazê-lo. isso não acontece."

me lembrei bem dele ao ler seu post...
lindo!
beijão!