domingo, fevereiro 05, 2006

Antes de Partir

Beijo-te antes de partires.
Não sei se voltarei a ver-te, se os meus olhos se cruzarão com os teus no atribulado cais da vida, se a minha alma se juntará à tua para mais uma divagação, se o meu coração se partirá antes que venhas consertá-lo. Não sei.
Mas, não choro, não sofro, apenas vivo nessa recordação que parece guiar os meus passos pela noite escura.
Talvez seja a última…Talvez…Ou quem sabe não será?
Lá vens tu com a tua voz penetrante, acusando-me de tristeza, de semear no teu coração a ansiedade da perda, da morte, do fim de todas as coisas… Trazes nas mãos a alegria de viver, nos olhos o brilho da vida, pois tu sabes o que isso é, eu talvez não o saiba, por isso falo tantas vezes de morte.
Porque tenho medo de perder-te, que os meus olhos não contemplem mais essa figura que me habituei a amar, tenho receio que vás para longe e te esqueças da menina que ensinaste a crescer.
Trazes os livros amontoados nas mãos calejadas pela caneta, um lápis na mão direita disposto a assinalar os meus erros na senda da vida, um sorriso nos lábios, uma alegria no coração que apenas com palavras jamais conseguirei expressar.
Convido-te a ficares comigo mais alguns instantes, mas insistes em partir, outros precisam de ti. Tenho de aprender a deixar de lado o egoísmo, tenho de aprender que a tua grandeza não morre na minha alma pequenina, tenho de aprender que vives atarefado e eu sou apenas mais uma pequena tarefa do teu dia. Sou apenas o momento em que me olhas, me elogias, me criticas, me beijas, me tocas nas faces, me sorris, e depois...o resto da vida é composto de nadas.
Mas, quero sempre beijar-te, como se fosse a última vez, quero dizer-te que te adoro, que és a pessoa mais importante da minha vida, agradecer-te por tudo, mas tu…permaneces calado, tapas-me a boca e impedes-me de fazer-te sorrir.
Mas eu quero dize-lo! Deixa-me falar! Amanhã pode ser tarde demais! «Guarda as palavras no coração, ele saberá como transmiti-las sob a forma de sentimentos».
Sim, eu sei. E tu também sabes porque sentes o quanto te amo, o quanto te admiro. Apenas um olhar diria tudo, pois o amor é criminoso e transporta nas faces o maior símbolo da sua presença.
Eu sorrio-te, sabes como adoro sorrir, tu…devolves-me o sorriso, aquelas nossas expressões são amo-tes largados pela rua, são folhas caídas da grande árvore dos afectos.
Não precisamos dizer mais nada, sabes como somos, falamos apenas com os olhares e quando parto sei tudo sobre ti e tu tudo sobre mim, apesar do silêncio sinto-me como se tivéssemos falado horas e horas.
Tu vais sem pudor, sabes que amanhã me encontrarás no mesmo sítio, porém eu anseio que o amanhã não chegue, que a vida me corte as asas que me permitem voar…
Mas, sossego a minha inquietação…como se os teus olhos azuis fossem o mar calmo perante uma noite de luar, e eu a estrela perdida que sonha contigo.
Afinal no dia seguinte a tua figura serena surge novamente ao final da rua…tinhas razão velhote…mas quem me diz que hoje não será o último? Quem me diz que as minhas raízes querem ficar para sempre presas a este solo? Quem me diz que amanhã na tua eterna convicção de me encontrares não mais me encontrarás? Quem me diz que os momentos são infinitos quando o próprio mundo um dia se esgotará? Por isso, beijo-te antes de partires, deposito os meus lábios nas faces rosadas do frio, na barba fustigada pela chuva que cai sobre as nossas cabeças…é o último, eu sei disso, mas não me impede que aja como se fosse o primeiro…

Isa Mestre

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem mais uma vez terei de dizer que está excelente.