sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Algo em alguém

Dentro de mim a noite parece escrever palavras confusas nas folhas soltas e velhas do meu coração. Mas essas, são palavras invisíveis, palavras que apenas tu entendes, que apenas tu lês. São sentimentos perdidos de quem já nem sabe o que é sentir.
Diz-me … será que ainda sinto? Ou abandonei por completo o meu corpo por não poder mais tocar o teu? Agora sou uma analfabeta incapaz de ler o teu pensamento, o teu corpo, o teu olhar, o teu sonho que morreu na minha face manchada pela derrota. E a noite volta a trazer-te para dentro de mim quando ainda nem sequer partiste… traz a tua face ingénua e pura, os teus olhinhos brilhantes fitando o Universo de magia e cor, os teus braços hábeis que agarram todas as coisas e as transformam nos mais bonitos momentos… Eu insisto que ainda é possível, mesmo que saiba que não, os teus olhos continuam a dizer-me que em ti existirá sempre um sim, o teu coração será eternamente o poço fechado onde me afogarei. E quando o mundo morrer eu ficarei viva para saber que ainda estás aqui: no meu peito, nas letrinhas que desenho na folha de papel, nos pedaços de madeira que ardem estridentemente na lareira da nossa juventude.
A minha saudade queima as tuas cartas, deseja tê-las longe, mas, ainda que as tuas palavras pareçam morrer no fogo, ainda que eu as mate, sei que elas jamais poderão extinguir-se dentro de mim.
Mesmo que as minhas roupas estejam perfumadas hei-de sempre sentir o odor do teu tabaco contagiando todas as partes do meu corpo, mesmo que não estejas, imaginar-te-ei sentado junto da lareira contando-me pequenas histórias da vida.
Permanecerás. Sobre o tempo, sobre as coisas mórbidas, sobre os olhares, sobre as crianças que brincam no jardim… Ainda bem que falamos nelas…
Sabes quem são?
São teus filhos…filhos do amor, da compreensão, da luta, da força, do orgulho, da convicção, da loucura, da magia que transportaste para dentro de mim.
Olha por eles…dá-lhes a mão já que serás incapaz de voltar a entrelaçar os teus dedos nos meus.
Vamos…vai vê-los sorrir… afinal, têm o teu sorriso, o abrir do mundo naqueles dentinhos de leite que se escondem por detrás da boca pequenina de lábios encarnados. Sorriem como tu, como sorriste nas noites de amor, nos dias perfeitos em que julgámos contornar a imperfeição. Mas, foi impossível, sabe-lo como eu… e eles que brincam no jardim são um símbolo disso mesmo, da nossa imperfeição. Da nossa incapacidade de amar, de sonhar, de sorrir mesmo quando nos apeteceu chorar.
Mas não me arrependo, porque eles são aquilo que sou, aquilo que somos, o que tu também és…são as palavras invisíveis dessa folha de papel que insisto em queimar todos os dias, são os laços inquebráveis que ainda nos unem, são os sentimentos que jamais morrerão…eles, amor, eles são o mundo…toca-lhes e voarás…ama-os e voltarás a sentir o que o amor.

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