quarta-feira, novembro 30, 2005

Reencontro

Voltei. Voltei para te ver. Porque nem a distância que separa os oceanos pode separar-nos a nós.
Entrei nessa nave de ilusão e então senti que não havia nada certo, todos os sentimentos se encontravam numa amálgama e eu, só me apetecia abraçar-te para sempre. Tinha vergonha de voltar a ver-te, que te diria, como agiria, o que acharias de mim?
Caminhei pela terra solta como uma heroína que pisa a passadeira vermelha. Conhecia aquele caminho, tantas as vezes que o percorrera que parecia que as pedras, as covas e as bermas ainda eram as mesmas. As mesmas das manhãs frias, das tardes abrasadoras, dos dias bons e também dos maus.
Todos os dias pensava em ti, sentia saudades daqueles momentos que partilhávamos, das conversas, daquilo que me oferecias com o teu carinho. Então tive medo, que já não te recordasses de mim, que agisses com firmeza e me mostrasses o caminho de regresso.
Na verdade, nada mais sabia. Recordava apenas o antigamente, o passado risonho em que eu era ainda uma menina bonita e imatura. No entanto, recordava-me de ti como se pudesse ver-te diante dos meus olhos todos os dias, com a tua voz meiga e suave, com as palavras sábias, com a presença serena.
Cheguei perto do teu local, o único sítio onde tinha a certeza de poder encontrar-te. Os anos passaram e eu senti-me usada pelo mundo e distante dos sítios e das pessoas que outrora tanto amara. Prometi que voltaria, sempre. Afinal, não passei de uma covarde que pela suposta falta de tempo, ou até de coragem se deixou acomodar com tudo aquilo que a vida colocou no seu caminho.
Tudo estava agora mudado, o sítio que tivera aquele brilho incandescente era agora um mar de desilusões. Os vidros estilhaçados, o pouco ruído que se fazia sentir, as flores sepultadas, as faces revoltadas. Antigamente parece que tudo tinha vida, os vidros limpos, a barulheira constante, as flores saltitantes que queriam deixar a sua raiz e saltar-nos para as mãos.
Contive o desespero, olhei em volta e decidi prosseguir.
Não sabia onde estavas mas, recordando os velhos tempos deixei-me guiar por este coração louco que por vezes é farol, bússola e candeeiro.
Lá estavas tu. Como antes, nas quartas à tarde, no entrelaçar dos nossos sorrisos contínuos. Estava tão feliz por voltar a ver-te, ainda que fosse de longe, que nem tivesses reparado na minha presença. Sabia que apenas por isso já teria sido um bom motivo para estar ali.
Esses mesmos cabelos claros, a pele tingida de neve, os olhos penetrantes que se fixavam por momentos no livro que lias. A literatura, a nossa grande paixão. Quem ama nunca esquece, ouviste? Todos os dias antes de adormecer eu lia, apontava, vociferava para mim como se pudesse dizer-te todas aquelas coisas que me saltavam do pensamento. Em cada frase estavas tu, aquilo que me mostraste, o teu sentido que buscou sempre o melhor caminho no meu próprio mundo.
« Psst! Psst! », que saudades tinha deste som com que te chamava normalmente. Ali, naquele momento, alguns anos depois eu estava a chamar-te novamente, parecia irreal e patético, mas estava feliz com isso. Podia ter-te esquecido para sempre mas isso seria impossível.
Levantaste a cabeça do livro e antes de me olhares tive a certeza de que sabias que era eu quem te chamava, que te pedia que me abraçasses.
Corria até ti, como uma menina ansiosa, queria poder contar-te tudo, dizer-te que o tempo foi traiçoeiro, pedir-te desculpa pela longa ausência.
Mas, tu, não me deixaste falar, abraçaste-me nesses teus braços aconchegantes, beijaste-me a testa e apertaste-me contra ti. Chorámos como duas crianças. Voltei a ver esse brilho nos teus olhos, essa luz, o orgulho com que me olhavas. As tuas palavras foram únicas e inesquecíveis, como se eu as pudesse guardar para sempre nesse livro de memórias que há em mim, disseste-me baixinho: «Querida, bom filho à casa torna». E eu voltei a ser a garota que lia e brincava a teu lado, que por ti seria capaz de dar a própria vida.

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