quinta-feira, agosto 10, 2006

Procuro-te


Nas tardes quentes de Lisboa, tu sorrias como estrela cintilante no céu, sorrias e dizias parcas palavras. Era sempre assim. Tu, sorridente, calada, perdida na imensidão da nossa cidade, eu, a contar-te histórias que tu já sabias de cor, mas, fingias ouvir-me, sempre com a mesma alegria, com o mesmo olhar penetrante e fiel.
Naquele dia trouxeste todos os outros dias para dentro de mim: as tardes quentes na esplanada quando pedias um pastel de nata e um café, as manhãs geladas de inverno quando me esperavas ao final da rua, as noites tristes de Outono em que as árvores se despiam perante o nosso olhar frio da vida. Trouxeste todos os momentos, afinal vinhas com as mãos cheias de recordações, sim...recordações. Porque hoje não são mais que isso, talvez nunca tenham sido.
Disseste: Vou partir. Eu fiquei calado, pensei: Partir? Mas porquê partir?. E tu voltaste a dizer: Vou partir... Sim, eu sei, eu já tinha ouvido a tua voz segura no interior da minha alma frágil, eu já tinha visto as tuas asas a querer voar do ninho de mim, eu já sabia que um dia dirias: Vou.
Sorri-te apenas, afinal, quando o coração chora, o rosto sorri. È sempre assim, será sempre assim.
Sorri-te e no dia seguinte levei-te ao aeroporto.
Fica, dizia eu, tu fingias não me ouvir, olhavas atentamente os ecrãs repletos de partidas e chegadas, repletos de ti e de mim, porque em cada destino daqueles estava um sonho nosso, um sonho que abandonaste, como se abandonam os barcos no cais.
Tu a partir para o check-in, e eu, a chorar por dentro, com vontade de dizer-te que estava a sofrer, que não estava contente como imaginaras, vontade de dizer-te que me sentia um palhaço no meio do circo das nossas vidas.
Pela última vez, já com as lágrimas a rasarem-me os olhos, disse-te baixinho: Fica.
E tu, tal como um pardal que quer saltar do ninho, respondeste-me: Não posso.
Depois, perdi o rumo, não me lembro de mais nada, só as tuas mãozinhas leves e delicadas no ar dizendo-me adeus, só o teu perfume inundando as minhas narinas pela última vez, só o teu olhar e as máquinas do aeroporto a apitar, só as tuas mãos a percorrem novamente os bolsos à procura de metais, só tu...sempre tu.
Anda...disseste-me. Devolvi-te a afirmação : Não posso.
Ainda há mundo à minha espera, e tu sabes que há, ainda há a mesa do escritório a pedir-me para pousar os meus braços cansados de procurar-te, ainda há as folhas de papel insistindo para que te escreva, ainda há vida em mim quando pensei morrer naquele adeus vagabundo.
Hoje, minto. Perguntam-me por ti e minto. Não estavas bem , precisavas de mudar de vida, merecias mais....Mentiras apenas, tudo mentiras! Foste sim! Foste porque quiseste, porque um dia acordaste e pensaste voar mais além, pisar outros mundos, sentir o cheiro de outras cidades, beber bebidas caras nos bares de qualquer outra parte do mundo.
E disso nem eu nem tu tivémos culpa.
Eu não pude e tu não pudeste. Simplesmente isso.

Isa Mestre

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