terça-feira, agosto 15, 2006

És


Gostava de conhecer-te melhor. Entrar pelos teus sonhos a dentro e saber o que te habita, saber de que cor se tinge esse sorriso inatingível com que me recebes, eu queria saber de que és feito, de onde vieste e para onde vais.
Porque por vezes não pareces como eu, como todos nós, existe em ti essa magia de garoto, como se ainda precisasse de te mudar as fraldas todos os dias e dar-te o biberão a horas certas, ainda existem na tua alma essas mil e uma perguntas, os porquês todos encerrados dentro de ti, esse mundo que eu não conheço, que eu nunca hei-de atingir, porque tu sempre me hás-de mostrar o que sempre conheci, dizendo-me que te desenrascarás sozinho.
Mas eu apenas queria olhar mais para dentro de ti, conhecer aquele que dorme a meu lado todas as noites, que de manhã acorda com os olhos inchados do sono e corre para a casa de banho, aquele que eu ouço cantarolar no chuveiro, quando parece estar tudo bem...parece.
Mas eu não sei, eu nunca saberei, porque o teu corpo há-de ser eternamente meu mas a alma, essa será tua, tua e de quem te habita, e eu serei uma estranha que com os olhos cerrados tenta percorrer o labirinto daquilo que és, uma estranha que tropeça, que se magoa, que volta a erguer-se na expectactiva de encontrar em ti uma luz, algo que lhe peça vida, algo que acenda dentro de si essa chama que se apaga lentamente, até morrer, até ser simplesmente o cheiro a queimado, o incenso na sala...a essência de ti espalhada algures por aí a escapar-me entre os dedos das mãos.
Deitas-te a meu lado, entre nós o menino, o nosso filho, fruto do amor e da alegria que partilhámos, ele sorri, afinal é tão bom estar no quentinho da cama dos pais quando o gelo do inverno mata lá fora...Ele sorri ao pai que nem conhece, que eu também não conheço, ao homem que lhe dá a mão e o leva a passear, ao que o leva à escola e lhe deposita um beijo, ao que o adormece e lhe conta histórias.
Mas ele não te conhece...porque os nossos olhos apenas conseguem ver o que és por fora, a embalagem que aprendeste a criar para te defenderes de tudo aquilo que magoa, de tudo aquilo que tenta espreitar para além do horizonte que a nossa visão alcança.
Eu quero mais que um corpo, quero uma alma que conheça e possa amar como nunca amei.
Eu quero e tu dizes que não...Tu sempre a rejeitar subtilmente os meus pedidos...Será que não entendes que sou uma menina que quer conhecer-te? Que as minhas mãos querem percorrer-te , agarrar-te os sentimentos, sorrir-te e ver-te sorrir, não apenas com os lábios, mas também com a alma.
Eu quero saber o que há nessa praia de água límpida e areia pura, o que há dentro do homem que embora pareça o ser mais feliz do mundo esconde dentro de si uma enorme tristeza.
Eu já não quero o “papá” exemplar, nem o marido que chega sempre a casa a horas, eu já não quero o estudante aplicado que um dia se tornou médico. Eu já não quero aquilo que os outros quiseram que fosses. Agora, quero-te apenas a ti. Mostra-me a alma, ainda que seja por breves instantes, deixa-me ver aquilo que te habita!

Isa Mestre

1 comentário:

João Teago Figueiredo disse...

Isa, tal como já te tinha dito antes, noto uma enorme evolução neste ultima série de textos. Estão mais coesos, mais compactos, as metáforas sólidas como rochas de praia, o estilo límpido como água de lago. Sinto que descobriste o corpo às palavras, que lhe tocaste a cara e sopraste os braços, que para além de ter o corpo também já tens a alma das palavras na mão. Deixa que vejamos aquilo que habita nas tuas palavras. Aquilo que fará frases e textos e, um dia (eu sei) livros.

Beijinhos e continua a escrever, ajudar-te-ei sempre.

João Teago Figueiredo